30 de out. de 2012

Turismo e aventura no quintal

Que beleza, Sandolitos, trilheiro motociclista!

Como tenho dito, continuo fazendo minhas "trilhas domésticas". No sábado retrasado, por exemplo - um dia com chuvisqueiro, mas estios providenciais -, estivemos em Santa Maria e Cachoeira. Santa Maria, conheci, enfim, a famosa Vila Belga, fundada pela companhia ferroviária de origem belga. É ali bem perto do centro da cidade, com casas e ruas que preservam traço arquitetônicos do começo do século XX. Também fui num outro lugar de lá: o Planetário da UFSM, onde existe até uma reprodução de um megalito (ou megálito) Inca usado para as "medições" astronômica na América pré-Colombo.

Mas trilha, mesmo, fizemos no Zoo-Jardim Botânico/Museu Municipal de Cachoeira do Sul, no final de uma ruela quase escondida. Pequeno, mas me surpreendeu - duas enormes onças, além de corujas, carcaras, quatis, cascavéis, jararacas, caranguejeiras etc. Em pleno centro, meio escondido, no final de uma ruela atrás da praça da Câmara de Vereadores...

Mas o mais sensacional: o Parque Witeck, que fica na área do município de Novos Cabrais, mas na entrada da estrada (RS 153) que leva até a cidade de Cachoeira.

Bacaníssimo. Uma trilha com árvores do mundo todo, lagos, casas rústicas - uma área recuperada há 50 anos por um médico do exército que foi morar em Cachoeira a partir de 1962. É propriedade particular, mas aberta para visitação pública. Quero voltar lá, porque fui mais para dar uma primeira olhada. Só conhecia por "ouvir falar".

Fica pra quem não conhece a dica e o link para a visita a este parque:

http://www.parquewiteck.com.br

É assim que aproveitamos momentos prosaicos, como de um pequena viagem para outros fins - fazer uma prova no curso de especialização da Nenê, no caso - para conhecer (ou "re"conhcer) lugares e situações novas, numa espécie de aventura doméstica - incluindo cafés de máquina em lanchonetes de postos de gasolina...

Alienação tecnológica e a "foto" de Jesus

Esses dias fiquei perturbado pelo recebimento de um daqueles e-mails "TU DEVES REPASSAR AGORAAAARGHH!!!”, sob pena de te acontecer alguma desgraça. Meu “desassossego” ficou por conta de quem estava me enviado aquilo: uma pessoa com doutorado e professor universitário... Vai o comentário que fiz na ocasião:

Começa por dizer que a ilustração em anexo é uma foto, quando, obviamente, é um desenho, retratando Jesus Cristo conforme o estereótipo – um homem branco, magro, de cabelos compridos, com um rosto expressando dor, tendo na cabeça a terrível coroa de espeinhos. Interessante que essa figura, que representa o amor incondicional, a bondade encarnada, a suprema compaixão, aquele que se dá pela salvação da humanidade... pois bem, caso tu não repasses tal figura, desencadeará uma grande desgraça na vida do preguiçoso, desatento ou cético internauta...

Referências como a de ter aparecido "até no Fantástico" (o programa da Globo), um presidente da Argentina (que teria sido “punido” por não dar encaminhamento a mensagem, morrendo o seu filho), uma pessoa chamada Alberto Martines (imaginei-o um mexicano ou costa-riquenho)... a referência a "o poder Ele tem", "milagres", ganhar na loteria (como “recompensa” por repassar a mensagem), o prazo de "13 dias"... tudo isso me espanta pela superstição, o obscurantismo envolvidos; a crendice mais simplória e, aí é o ponto, compartilhada ao que parece, por pessoas academicamente especializadas, profissionais bem remunerados da área da educação superior... Não, não é exatamente (ou somente) uma crítica: é uma vontade de entender o que está acontecendo... Me parece, também, um contradição – algo que se choca ao propósito do saber desenvolvido em universidades, no ensino e pesquisa acadêmicas – que, acho eu, justamente se estabelece para não sermos submetidos pela irracionalidade. (Mesmo que se possa dizer que o humano seja por natureza 98% irracional, e coisas como a religião não sejam necessariamente ruins, um mal, mas estratégias de conforto e compreensão do mundo aparentemente caótico em que vivemos. Tem um cara que se chama Michael Shermer, articulista na Scientific American [já vi uns pedaços de palestras dele no Youtube e estou lendo um dos seus livros] e editor de uma outra revista famosa, a Skeptic Inquirerer. Bem, ele diz que "sua intenção não é subestimar as pessoas que acreditam em 'coisas estranhas', mas sim entender por que elas acreditam" naquilo, sem cair num "dogmatismo científico". Eu estou por aí.)

Outro ponto que também me surpreende, aí de um modo mais geral, é a nossa “alienação tecnológica” – e que levam pessoas a repassar mensagens que julgo estapafúrdias. Usamos inúmeros e sofisticados artefatos tecnológicos – eletrônicos, computacionais e mecânicos especialmente – sem que tenhamos uma noção ao menos básica da complexidade dos conhecimentos e habilidades humanas consubstanciadas num ato, por exemplo, de enviarmos uma mensagem via internet, anexando uma imagem ou vídeo; ou no ato de atendermos nossa mãe no celular, enquanto estamos nos deslocamos no elevador do aeroporto, onde embarcaremos numa viagem sem escala em um avião Airbus A380 de Porto Alegre até São Paulo... subjazem quase completamente esquecidos aí uma gama de fórmulas físico-matemáticas, química fina aplicada e de tantos outros conhecimentos gerados pela metodologia científica; parece que nos mantemos como crianças crédulas, despachando mensagens de um conteúdo confuso e do maior obscurantismo, da maior desconsideração ao que já foi produzido pelas diversas ciências – incluindo as humanísticas (caso da sociologia, ciência política, antropologia etc.)...

Uma ligeira leitura do texto deveria ser suficiente para alertar-nos sobre sua precariedade de sentido e conteúdo. E onde se esperava a sensatez, por se tratar de pessoas que trabalham em uma universidade, reduto da reflexão metódica e exaustiva, o que se vê, porém, é a mais rasa credulidade...

Há em nossas vidas uma crucial contradição, resultado do uso alienado, do “analfabetismo científico”, que nos mantém apenas na superfície, nas “interfaces” dos aparatos tecnológicos  – o teclado do celular, da tela do computador, do controle remoto da TV, da direção do automóvel, da poltrona do avião, do creme vegetal sobre a fatia do pão de sanduíche etc. parece que não temos estímulo para entender “o que está pro trás”, qual a “magia” que está ali... Por certo isso exige um certo esforço intelectual (talvez aí esteja um dos nós da questão...), mas tal empenho revelaria que não há magia propriamente, mas um preciso funcionamento derivado de um enorme esforço acumulado de saberes.

17 de out. de 2012

Álcool num desfile onde há milhares de criança? Que mensagem estamos passando? Álcool é alegria? Como se contrapor ao uso de outras drogas?

Como tenho falado, acho uma tremenda irresponsabilidade haver álcool sendo distribuído num desfile com crianças, com carros alegóricos, inclusive, aludindo a infância - caso, mais uma vez, aqui na Oktober 2012.

Muitas pessoas fazem enormes esforços para minimizar os problemas com o uso abusivo de drogas e, em eventos de rua, em pleno domingo de manhã, se assiste marmanjos empunhando canecões e distribuído fartamente a beberragem alcoólica em meio a alegorias de "contos de fada" e muitas brincadeiras.

E não me venham com a hipocrisia de dizer que o álcool é lícito e não é distribuído para as crianças no dsfile. Perceba-se o processo "educativo", pelo "exemplo", que acontece em momentos como esse, onde o álcool é apresentado como um inocente e bonito recreativo em meio a sorrisos, flores e cucas. (O que diriam os mesmo que empunham canecões na Marechal Floriano sobre a "Marcha pela Maconha"?) Não é porque o álcool faz parte do nosso cotidiano que vamos continuar glorificá-lo e tratá-lo como algo "menor".

Já falei que todo o trabalho de órgão como o COMAD (Conselho que trata das políticas em relação ao uso de drogas no município) é destruído e desmoralizado por momento como estes do desfile da Oktober.

Acho perfeitamente possível se fazer um desfile sem propaganda e distribuição desse nada inocente psicoativo contido no chope.

Todo o meu repúdio a quem insiste nisso. Quer beber, encher a cara, faça isso (como eu faço muito de vez em quando) em lugar privado e sem alarde. Álcool é droga, não é suco de groselha. Não se trata de ser "moralista" ou "careta" (de certa forma, são irrefutáveis "válvulas de escape"), mas se ter coerência e efetividade no controle do consumo indevido e abusivo de drogas, que tantas desgraças produz de forma direta e indireta (vide inúmeros acidentes fatais de trânsito).

16 de out. de 2012

Conselhos - ainda não apostando na democracia participativa

Eu sou um entusiasta dos conselhos municipais - da criança, do idoso, do meio ambiente, da cultura etc. - e acho que os conselheiros deveriam ter o status semelhante a de um vereador, porque são pessoas que se dedicam a servir ao desenvolvimento da comunidade, do coletivo em vários campos. Infelizmente, a maioria dos governos não reconhece isso, porque quer concentrar o poder e evitar qualquer tipo de “interferência”, especialmente “críticas”, que, para um boa e inteligente administração, seriam elementos que ajudariam a qualificar e consolidar popularmente a gestão.

Penso que os conselheiros, quando tomassem posse, deveriam ser “diplomados”, em uma cerimônia presidida pelo prefeito/a ou secretário/a, com toda pompa e circunstância. Ao final do mandato, os conselheiros deveriam ser condecorados por “serviços relevantes a sociedade”, além de terem, durante o exercício de seus mandatos, algumas prerrogativas, caso, por exemplo, da livre-entrada em espetáculos e outros eventos públicos, configurando e compensando sua condição de servidor público voluntário e autoridade municipal. Isso valorizaria a função e abriria os olhos da população para este trabalho quase invisível (ou intencionalmente invisibilzado muitas vezes) dos conselheiros.

Os conselhos são órgãos da Administração Municipal, uma conquista da redemocratização do país expressada na Constituição Brasileira (a “Constituição Cidadã” de 1988). Entretanto, a velha cultura política autoritária e totalitária continua fazendo seus estragos pelo nosso país, desconsiderando ou pouco valorizando (não oferecendo a infraestrutura adequada e até prevista em lei) e investindo em mecanismos de participação direta da sociedade civil na gestão pública (conselhos, fóruns, assembleias públicas, orçamento participativo etc.).

Não fosse o empenho da sociedade civil (mesmo que minado pelo desestímulo produzido pelos próprios governos), os conselhos locais estariam ainda mais fragilizados, boa parte, atualmente (estou falando de forma genérico), sobrevivendo como depressivos zumbis, e não como vigoroso instrumentos de democratização e eficiência administrativa.

11 de out. de 2012

Tangfest...




Vai começar mais uma Oktoberfest em Santa Cruz do Sul, essa festa turística, cada vez mais direcionada à juventude, que tem uma oportunidade de se divertir com muitos estímulos e desinibições alcoólicas (uma das drogas comprovadamente mais perigosas do nosso dia a dia), profusão de shows e bailes populares. Shows (os "nacionais") e bailes (nos lonões), diga-se, sem nenhum vínculo com a alegada “nossa cultura alemã”, já que os artistas e músicas não tem nada de etnicamente singulares, sendo aqueles consagrados nas paradas do pop nacional (sertanejo universitário, pagode, axé, rock brazuca, por aí).

Mas o verniz remete a Alemanha e a um folclore “germânico”, mesmo que quase completamente artificial, porque sem base na história e vida real das comunidades teuto-brasileiras da região. (Além do modelo de roupas, de danças e coreografias importadas do folclore da Alemanha, até as “bandas típicas” começam a ser trazidas do estrangeiro...)

Sobre os adereços da festa, insiste-se nas cores da atual bandeira alemã. Mesmo com o meu parco conhecimento histórico, sempre faço a pergunta: O que tem a ver a Alemanha contemporânea com o conjunto de emigrantes que aqui se assentaram a partir de 1849, quando sequer existia o país Alemanha? Eram reinos, principados, ducados, cidades livres e outras organizações estatais independentes – ou seja, diversos países diferentes uns dos outros, até mesmo em termos de idiomas –, que só por força do imperialismo da Prússia foram unificados (em parte) a partir de 1871, sofrendo alterações de conformação até recentemente (vide a união ocorrida entre as repúblicas Federal e Democrática em 1990). E sem considerar que para aqui também vieram gente que seria bem mais correto chamar-se – ao invés de alemães –  de austríacos, poloneses, belgas, tchecos, holandeses, russos etc.

Ou seja, se fôssemos considerar as cores simbólicas dos países dos imigrantes que se assentaram nos lotes rurais estatais e particulares na região de Santa Cruz no século XIX, haveria uma colcha de retalhos enorme, com uma infinidade de estampas e arabescos (e isso fala de pluralidade étnica já na "saída" das pessoas do continente europeu, mais tarde "homogeneizadas e pasteurizadas" na designação "alemão"). Talvez as bandeiras das sociedade de canto, leitura, desporto, lazer e integração que existiram e ainda (re)e(s)xistem sejam as mais adequadas para inspirar coloridos e outros estilos estéticos para a identificação e publicidade de uma festividade teuta em nosso município (aí sim, nessas agremiações, uma manifestação autêntica de uma teuto-brasilidade, com flagrantes e singulares hibridismos culturais) .

Mas o caso é que foi criada uma “festa alemã tipo Tang” – um pó artificial com sabor e cor químicos, além de demais aditivos sintéticos –, e não um saboroso suco natural com as frutas locais – sejam nativas, exóticas ou híbridas. Fez-se, “para turista ver”, a partir de meados dos anos de 1980, uma “cópia” (um tanto fajuta, deve-se reconhcer) do que acontece em Munique.

O que temos pelas ruas – as faixas, pinturas, cartazes e outros adereços –, em arranjos por todos os lugares nas cores amarelo-laranja (“dourada”), preto e vermelho (da bandeira da Alemanha), é, pois, mais uma vez, uma explicitação de uma “alemanhanização” da festa, em lugar da construção de uma comemoração com elementos autênticos das comunidade santa-cruzenses, onde teuto-descendentes formaram (e formam cada vez mais) um mix étnico com várias outras descendência e marcas culturais. (Veja-se o caso da "situação paradigmática" onde se come uma cuca de laranja, sorvendo um chimarrão, isto é, um bolo de trigo de origem norte-europeia, com cobertura de uma fruta asiática trazida por portugueses, plantada e cultivada por escravos negros nos primórdios do Brasil colônia, acompanhado de um chá de uma planta nativa (ilex paraguariensis), bebido desde tempos imemoriais por índios sul-americanos, adaptado por espanhóis na sua forma de consumo com bomba metálica e água quente...)

Reconheço o empenho sincero e abnegado de muitíssimas pessoas envolvidas intimamente com a Oktober desde a sua criação e realização anual. Nem estou dizendo que não haja coisas boas na festa. Eu já curti muitos shows (o do nordestino Zé Ramalho foi o máximo em 2009) e me diverti pra valer (na Montanha Russa [da Rússia!], por exemplo, ou nos desfiles dos carros alegóricos (criados pelo afrodescendente Fernando Garibaldi). Mas isso não significa que se abra mão de uma franca visão crítica, até para que a comemoração se qualifique como evento e elemento simbólicos de toda a comunidade santa-cruzense, fazendo jus a teuto-brasilidade e pluralidade étnico-cultural locais.



***Nesta edição, até o momento, me chamou a atenção que "o cara da Oktober", conforme a manchete na Gazeta de 19/12, é o pagodeiro Thiaguinho, vocal do grupo Exaltasamba, jovem negro nascido em São Paulo. Também me chamou a atenção que uma dos grandes chefs de cozinha que está na Oktober é o negro senegalês Mamadou Sène, hoje radicado em Porto Alegre, de religião muçulmana, e que mostrou seus dotes em pratos da "culinária alemã". Mamadou se abastece de informação diretamente com dois irmão seus que residem na Alemanha, Freigurg, tendo estudado na França, tendo entre seus professores um chef alemão. São duas coisas aí: as atrações principais e de massa da "festa germânica" nada tem a ver com germanidade; a Alemanha cultuada não é um idílico país de gente loira de olhos azuis, mas uma nação multicultural, poliétnica, com gente de tudo quanto é lugar do mundo, como o é a Santa Cruz desde seus primórdios. A pergunta (repetindo argumentos): Que tipo de "germanidade" é esta proposta ou colocada pela Oktober, onde a atração principal da festa - uma cópia de outras iniciativas no Brasil, inspiradas na festa de Munique, mas sem raiz na realidade cultural local (nunca houve oktoberfest nas comunidades teuto-brasileiras de Santa Cruz) -; onde se faz um culto a bebida alcoólica de origem egípcia, o chope; onde o destaque artístico é um cantor negro de São Paulo; um dos chefs de destaque é um negro senegalês radicado em Porto Alegre; o talentoso criador dos carros alegóricos é um rapaz negro santa-cruzense de família tradicional da cidade, e onde as duas bandas "tradicionais" forma trazidas da Alemanha??

8 de out. de 2012

O Papa não confiaria em Deus?

A Renault presenteou dias atrás o Papa com um novo “papamóvel”. Além de motor elétrico, o carro "ecologicamente correto", modelo Kangoo da fábrica francesa é todo adapatado, tendo itens como bancos de couro individual e degrau retrátil - tudo para o maior conforto do Sumo Pontífice.

E destaco aqui algo que os jornais que li quase não mencionaram (por que será?): a blindagem da lataria e vidros. Precisa resistir a tiros, a tiroteios. O Papa pode ser amado por muitos, mas outros tantos não o estimam da mesma forma...

Ter de se proteger de inimigos já é algo por si só absurdo para alguém que é tido como Representação de Deus na Terra. O Todo Poderoso, que a tudo criou e a tudo controla paradoxalmente não impede que algum atirador tente fulminar a Vossa Reverendíssima. O exemplo é João Paulo II, que, em 1981, foi alvejado quase mortalemente*. Salvou-se pela imediato socorro e perícia de cirurgiões.

Deus, O que Vê Tudo, O que Sabe Tudo teria cochilado em Roma naquela tarde do começo dos anos de 1980? Como deixou aquele Seu Maior Apóstolo numa situação tão pavorosa e humilhante? Por que não interecedeu? E se não interecede pelo Santo Padre, então a quem Eleintercederá? Sendo assim, não estremos perdendo tempo com tantas louvações, orações, pedidos e promessas?

Não me considero um mensageiro do ateísmo ou alguém que tenha ódio a Igreja Católica – embora muitas coisas ao longo da história da expansão do cristianismo sejam odiosas. Há elementos éticos e pedagógicos que quando escapam do proselitismo sectário ou da demagogia hipócrita são muito bons, caso da ética cristã pela compaixão, fraternidade. Mas o cristianismo também alimenta o obscurantismo, a interpretação literal de histórias que estão muito mais para lendas do que relatos históricos.

Em tempos em que os humanos já enviaram naves e sondas para confins do espaço sideral e somos rodeados por uma sofistica tecnologia (sem que a maioria de nós tenha uma noção mínima sequer de como um transistor funciona), nos aferramos as mais irracionais crendices e superstições. Mesmo que vejamos que “o rei está nu” – e o papa precisa de um carro blindado para se proteger, já que sua aura e seu Pai Superior não são úteis na hora de um atentado real –, mesmo assim muitos de nós cogitam reformular entendimentos e posturas. Nem digo abandonar a fé, mas, no mínimo, manter portas abertas para outras compreensões sobre o que realmente é a vida.


* “O Papa foi atingido por quatro balas disparadas de uma pistola de 9mm a uma distância de 15 pés (menos de 5 metros) no momento em que abençoava a multidão na Praça São Pedro, em Roma. Duas atingiram o estômago, uma, seu braço direito, e outra, um dedo mindinho. Cirurgiões realizaram uma operação de cinco horas e esperavam que o Pontífice se recuperasse completamente”. FONTE: http://noticias.cancaonova.com

4 de out. de 2012

A história que emerge:negros e índios

Esses tempos o prof. Olgário aqui da Unisc mencionou recentes levantamentos e estudos sobre quilombos aqui na nossa região. Poderiam estar demosntrando (com sempre dissemos) a presença negra de forma muito mais intensa no Vale do Rio Pardo, incluindo especialmente Santa Cruz do Sul.

Coincidentemente, semana passada, li numa National Geographic, edição do mês de abril passado, uma matéria muito bacana sobre quilombos em meio a Amazônia e outros pontos do Brasil. Me emocionou a leitura pela incisiva abordagem dos repórteres.

Destaquei o seguinte da reportagem, logo no início:

Às dezenas de milhares, escravos africanos, para escapar das condições do trabalho que os europeus lhes impunham em suas plantações e lavras de minérios, refugiavam-se em áreas controladas por índios. De norte a sul nas Américas, ex-escravos e indígenas fundavam povoações híbridas conhecidas, em inglês, como comunidades maroons, do espanhol cimarrón, ou fugitivo. 

A complexa interação entre negros e nativos é um drama oculto que historiadores e arqueólogos só há pouco começaram a desvendar. Esse capítulo perdido deixou suas marcas mais evidentes no Brasil, onde milhares de comunidades vêm emergindo das sombras para reafirmar sua cultura mista e reivindicar a legalização da posse das terras que ocupam desde a era escravista. (p.74)

A matéria toda é encontrada no seguinte endereço (junto com fotos belíssimas, como é característicos das reportagens da NG):

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/quilombo-terra-de-homens-livres

Aliás, comunidades de descendentes indígenas “perdidas” em rincões do Vale do Rio Pardo também ainda não são objeto de pesquisa da nossa academia. Já me deparei algumas vezes com situações inusitadas. Por exemplo, conheci numa formatura um rapaz, esposo da formanda, que trouxe toda a parentela para a janta de confraternização na sede do time de futebol de Linha Santa Cruz: todos, cerca de 15 pessoas, evidenciando em suas faces a descendência indígena (kaingang, provavalemente). E todos morando no interiorzão, em meio a peraus de Sinimbu... Como não reivindicam coisa alguma e só querem sobreviver com algum conforto básico, ficam lá “sem incomodar ninguém”, plantando, caçando e biscateando em propriedades nos arredores. E, por tal invisibilidade social, sem que se reconheça e valorize a rica diversidade da população que se assentou e assenta em nossa região desde tempos imemoriais!

Meio século de um obra fundamental do sociólogo Fernando Cardoso

Em 2012 está se fechando 50 anos da publicação do “Capitalismo e Escravidão no Brasil Meridional – O negro na sociedade escravocrata do Rio Grande do Sul”, um denso estudo com viés marxista (e weberiano)do então jovem sociólogo e professor da USP, Fernado Henrique Cardoso, pupilo do saudoso Florestan Fernandes. Mesmo sofrendo contestações (qual obra tão longeva não sofreria?) e padecendo desta associação negativa com o “Fernando Henrique presidente da república pelo PSDB”, me parece um estudo fundamental, uma obra muitíssimo importante para o RS, que vem romper com a visão “idílica” sobre a escravidão na história rio-grandense, em especial nas charqueadas, onde, dizia-se (e alguns ainda dizem, tchê!) as relações seriam muito mais brandas e outras balelas. De lambuja, ainda no princípio da formação do MTG, a obra de Cardoso “esculhamba” com os artificialismos do paraíso gaúcho, como configura o nosso moderno folclore manifesto nos CTGs. Cardoso construiu seu estudo ao longo dos anos de 1955 até 1962, quando saiu a primeira publicação da sua tese. Antes disso, em 1960, saiu dele o “Cor e mobilidade social em Florianópolis”, que escreveu junto com o Octavio Ianni – trabalhos estes integrados numa produção capitaneada pelo ativíssimo Florestan.

Câncer e expiação: a Idade Média ainda em nossas cabeças



Li a “A doença como metáfora” faz muito tempo, ainda no meu tempo de graduação. A autora do ensaio é uma mulher sensacional, a escritora e intelectual americana Susan Sontag (fotinho em anexo), falecida em 2004, após uma vida intensa, cheia de amores e lutas. Tinha 71 anos e centenas de publicações – ensaios, crônicas, romances etc.

Antes de ler Sontag, minha concepção sobre o câncer e de várias doenças se apoiavam, como é muito comum, em “origens” emocionais e espirituais. Assim, o câncer era produto de algum coisa errada ou ruim que estivemos fazendo nesta ou numa outra suposta vida anterior. Da mesma forma, a Aids (e Sontag tem vários textos sobre a síndrome) foi considerada uma praga – uma punição a gente sem escrúpulos sexuais ou pervertidas. Incrivelmente, mesmo depois de inúmeras pessoas terem contraído a síndrome por conta unicamente de transfusões de sangue contaminado, vindo de bancos de sangue sem testagem – caso do sociólogo Betinho –, mesmo assim há quem continue acreditando que se trata de um castigo de Deus aos devassos e homossexuais...

O câncer é algo sério e nada acrescenta de positivo a pessoa com a doença impingi-la com culpas que martelem dolorosamente sua mente com autoreprovações, retirando-lhes energia ao invés de poupar forças para os desgastes físicos do tratamento. Não basta a enfermidade em si? A doença em sua crueza? Por que não apenas buscar os diagnósticos e tratamentos médicos mais eficientes para cada caso, não desgastando o doente com conceitos e palavras de pseudo-conforto ou pseudo-ajudas de fundo moral, baseadas em crenças pessoais, como o “carma”? Por que não guardar isso para si e poupar, o amigo, o parente, o conhecido (ou desconhecido) de se sentir culpado por alguma “falha” e prescrever “métodos espirituais” que exigem autoflagelação, arrependimento e outras “expiações de pecados”?

Na Idade Média existia a tortura e a fogueira para os hereges e pecadores que não reconhecessem suas “graves faltas”. Hoje existe o câncer...


*A Companhia das Letras editou em 2007 uma versão poket juntando dois ensaios da Sontag, sendo o primeiro o A doença como metáfora. Abaixo, um link com uma suma da obra e acesso virtual a parte do livro: