Prezado,
Há milhões de anos, criei uma comunidade no Orkut chamada “Fã Clube do Tapejara”. Nem conhecia o desenhista das tiras na época.
Fiz umas postagens lá (em 30/12/2009). A comunidade não prosperou. Até porque logo veio o americano Facebook (que virou o Nike das redes sociais) e atropelou o turco Orkut (transformado num Conga ou Kichute velhos).
Pois esses dias, em uma pesquisa arqueológica nos confins da internet, achei uma postagem sobre o Tapejara, que eu mesmo gostei de relembrar. Continuo achando isso mesmo do "guascão do campo". O texto está meio erudito, pernóstico, "abichalhado", mas é sincero (segue mais abaixo).
Abraço!
Iuri
*Pesquisando neste blog, também achei o mesmo texto referido acima (publicado em 02/02/2010, com o título "Tapejara: autocrítica, bom humor e o mundo real do peão gaúcho". Mas vou "repostá-lo" aqui de novo, já que aproveitei para fazer umas pequenas alterações, incluindo umas poucas palavras. Além de um brevíssimo complemento, a partir de um diálogo por e-mail.
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Por que gosto do Tapejara?
Observando algumas comunidades no orkut, que “tiram” o Tapejara para “defensor” do gauchismo, entendido como uma autoglorificação, uma autoconsideração superlativa, como se fossemos nós, gaúchos, “o sal da terra”.
Pois eu acho que “o último guasca” é exatamente isso, um guasca (mas não o último), ou seja, o homem rude, que vive nos interiores ou beiradas de cidades, afastado dos refinamentos citadinos, tendo contados esporádicos ou indiretos com o cotidiano “civilizado” da “boa sociedade”. O dia-a-dia do Tapejara é com os animais, as pessoas e o ambiente de uma pequena comunidade no fundo de algum rincão (ou vila de arrabalde).
Assim, Tapejara se cria, se forma, se educa e se socializa em uma “outra lógica”, que, ao se chocar com a “normalidade”, nos faz rir da sua “grossura” e “exotismo” – um xucro.
Mesmo inspirado em elementos da estátua O Laçador, não é um “modelo de gaúcho”, desses estereotipado pelo MTG – certinho, limpo, com o lenço combinando com a bombacha, que vive em apartamento em centros urbanos e vai de carro para ensaios de dança e lê manuais que normatizam o comportamento [“gauchesco”]. Não. Ele é desengonçado e parece um palerma, fanfarrão burraldo e sentimental. Eu disse “parece”, ou “aparenta”, porque, na verdade, estamos rindo é de alguém que colide com as posturas tidas como “corretas”, altaneiras.
E nisso , além da gargalhada, surge a nossa simpatia pelo “animal” – justamente porque ele não é o “centauro dos pampas”; não é “um certo capitão Rodrigo”; não é, muito menos, algum gaúcho de programa de TV. Não tem refinamentos intelectuais, acadêmicos, literários nem um saudosismo romântico de algo que a rigor é ficcional, fantasioso. Ele VIVE na terra e, embora a comédia, é um gaúcho REAL.
Tapejara é um homem pobre, fora de modismos, desconhecedor de normas de etiqueta “das elites”; possui apenas o seu rancho, seus amigos humildes e sua égua amada (em toda a extensão do termo!); sua instrução é mínima e suas necessidades, preocupações e desejos, básicos. Mas não é um “mal-educado” ou um turrão – é, na verdade, cheio de sensibilidades, fugindo ao machistismo gauchesco, tão perverso, caricaturizado e reivindicado, que virou o seu contrário no anedotário nacional – o gaúcho só pode ser um “boióla” por de traz de tanta [necessidade] afirmação de "machezas".
Tapejara é bagual mesmo! Louzada não lhe dá polimentos de CTG. Mostra características da vida e cultura pampianas a partir dos homens e das mulheres simples, sem posses, que sobrevivem em cantos marginais do nosso RS – e também pela Argentina, Uruguai e Paraguai. (Aliás, Tapejara tem tudo a ver com o filme O Banheiro do Papa – que fala da vida [dura, direta, mas com uma poesia fruto da autenticidade] de gaúchos uruguaios vivendo nos arrabaldes da cidade de Mello, próximo a Aceguá, fronteira com o Brasil.)
Faz-se troça da própria galhardia e coragem “gaúchas”. Exagerada por uma história mitologizada, reproduzida acriticamente, Tapejara, ao contrário, mostra a humanidade do gaúcho; o ser humano falho e risível; o perfeito idiota que todos podemos ser muitas vezes; mostra-nos que, mesmo em nossas limitações de “cultura”, podemos ter as maiores nobrezas. Mesmo com singularidades, somos, como sul-rio-grandenses, gente comuns, e não super homens.
Enfim, Tapejara, por suas tiras, presta um grande serviço, ao mesmo tempo fazendo piada e apresentando características sociais e culturais do gaúcho autêntico.
Dizem que saber rir de si mesmo é uma virtude positiva. Não aquele rir de façanhas e ganhos auto-engrandecedores, auto-adulantes. Rir das nossas limitações e falhas que nos fazem todos humanos, irmanados por esta condição comum.
***Considero a tira do Louzada, publicada aqui em Santa Cruz do Sul pela Gazeta do Sul, uma das coisas mais interessantes do jornal. É aquele momento de rir e apreciar – não só do chiste em si, mas, inseparavelmente, das caras dos personagens (incluindo os animais, óbvio), os cenários etc. E sei de muita gente que aprecia. Óbvio que falta mais consideração. Incrível como existe uma ideia de que a expressão por tiras, desenhos, quadrinhos é algo “menor”, “infantil”; não nos damos conta de quanta asneira é dita em “espaços nobres” na imprensa, com muito palavreado. (Me ocorre que o Tapejara é meio como o Jesus no templo, dando relhadas nas mesas dos vendilhões...)
Smith / Kotzen – “White Noise”
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