6 de fev. de 2014

COMUNICADO (hehe!!)

Pessoal,

Cada vez mais, tenho feito postagens na minha página no Facebook. Então, só às vezes estou "transferindo" ou, menos ainda, postando textos diretos por aqui.

Quem "por acaso" tiver interesse nos meus comentários, sugiro dar uma espiada de vez em quando lá. O endereço é o seguinte:

https://www.facebook.com/iuri.azeredo

Leva de comentários que estavam lá no Facebook...

Um Müller de Santa Catarina é citado 16 vezes já nas primeiras edições de “A Origem das Espécies”, de Darwin, que o tinha como grande amigo e colaborador exímio...

A importância de Fritz Müller é tal que a mais prestigiada e antigas revistas científicas até hoje publicada, a Nature, dedica, em 1897, um obituário ao "colono de Blumenau" (minha citação), levantando a questão se teria havido (citação da reportagem indicada abaixo) “algum outro naturalista, além do próprio Darwin, deu ao mundo uma massa tão ampla e original de observações na qual a seleção natural fosse tão consistentemente fundamentada”.

*Interessante considerar o entusiasmo e inteligência de Fritz Müller, um legítimo teuto-brasileiro, nascido no que seria a Alemanha, naturalizado brasileiro, falecido e sepultado em Blumenau, ou seja, alguém aqui tão próximo geográfica e culturalmente, não tenha o reconhecimento – ou sequer tenhamos notícia alguma – sobre sua vida e obra verdadeiramente extraordinárias (eu sei algo por leituras esparsas). Desconfio que sua marginalidade tenha “a ver”, entre outros “fatores”, à rejeição ainda muito presente e operante mentalmente – se não de forma consciente e arbitrária, de modo inconsciente e escamoteado, e em que pese a difusão da ideia evolucionista, sem que se tenha a plena noção de sua radicalidade, e assim continuemos a nos ter e “querer ser” seres “superiores” e “apartes” do processo cosmo-biológico do planeta Terra, como propões religiões e ideologias, sejam reacionárias ou “progressistas”. Müller e Darwin são incômodos para este pensamento “Eu sou Filho de Papaizão” e por isso “limá-los” das nossas vidas atormentadas pelo “The Great Nothing” – nada a ver com niilismo, mas uma consideração que julgo importante para “não cair na tentação” de dizer o que existe na mais pura escuridão maravilhosa e enigmática, onde nossas mentes desenvolvem muitas fantasias, entre elas, as salvacionistas, de fuga da solidão, do medo atávico da morte.

**As citações estão na reportagem de Margherita Anna Barracco e Cezar Zillig no site SAB:
http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/parceiro_de_charles_darwin.html

(Uma observação: no texto da SAB é mencionado um Museu Fritz Müller em Florianópolis, mas provavelmente se refere ao de Blumenau, SC. Se alguém souber de algo diferente, agradeceria o contato.)

***Na ilustração do comentário, o genial e pouco conhecido Fritz Müller, “colono e naturalista”; ao fundo, vegetação da mata catarinense.




“Durante certa época também se considerava ‘esclarecida’ a atitude de não somente deixar as crianças chorarem e gritarem, como ainda a atitude de não as alimentar segundo suas próprias necessidades, mas sim de acordo com um horário preestabelecido. E, sobretudo, o credo máximo era o de que o bebê precisaria ser acostumado desde o início a dormir sozinho no quarto. Qualquer filhote animal de uma espécie de atividade diurna, que ainda depende dos cuidados maternos e paternos, fica exposto à morte praticamente certa se na escuridão mais profunda perder a sua família. É um programa teleonicamente pleno de sentido que neste caso leva o bebê, seja ele filhote de um ganso ou seja um filhote humano, a utilizar a totalidade de suas energias nervosas e musculares disponíveis para emitir para todos os lados os seus pedidos de socorro.” (p. 165)

As palavras são do austríaco Konrad Lorenz (foto abaixo), Nobel de Medicina, biólogo, grande autoridade e pesquisador em etologia, escritor de obras científicas, de divulgação e reflexão, como o livro que retirei a citação acima, o “A Demolição do Homem – Crítica à Falsa Religião do Progresso” (no Brasil, editado pela Brasiliense em 1986).

O parágrafo começa assim:

“A humanidade, que pensa e age de modo tecnomorfo e cientificista, desaprendeu, conforme já foi dito [nos capítulos anteriores], como tratar os seres vivos. Algumas décadas atrás [Lorenz está escrevendo no começo dos anos de 1980], isto se estendia até mesmo ao trato com os próprio filhos. Se tudo que tem alguma coisa a ver com sensações e emoções é considerado ilusório, se há uma orientação no sentido de se buscar uma psicologia sem alma, então, consequentemente e coerentemente, também não se há de sentir dó de um bebê humano que, deixado sozinho num quarto escuro, grita desesperadamente por socorro.”

*Há muitas “autoridades” que mantém esta ideia “espartana” de criação das crianças. Estão preparando-as para a “guerra”, quem sabe, também, para o ódio?? Lembro-me de ter lido com feliz surpresa, faz uns dois anos, o astrofísico Carl Sagan, no seu livro “O mundo assombrado pelos demônios”, justamente uma crítica ao afastamento do bebê da cama do quarto dos pais, entre outras atitudes. Um cara da genialidade e ampla formação como Sagan perguntava “qual seria o objetivo (e o resultado) desta frieza prussiana?” Acho que precisamos de amor, afeto, aconchego, “espírito de ninho”. Limites, obviamente. Mas, jamais, afastamentos, tortura, ainda mais na tenra idade.

**Outra que critica é Doris Lessing, a escritora britânica, Prêmio Nobel, nascida na Pérsia e criada na Rodésia do Sul. Ela narra em sua autobiografia (“Sobre a Minha Pele”) o nascimento e os primeiros anos de seus três filhos. Uma mulher com uma sensibilidade e inteligência primorosas, que viveu todo o período que vai do final da Primeira Guerra Mundial, a eclosão da Segunda, até os dias de hoje, falecendo no ano passado. Pois Lessing fala da perversidade dos métodos que tentavam racionalizar até mesmo as excreções dos recém-nascidos e bebês, sem falar na hora de mamar. Afastava-se a criança da mãe tão logo nascesse, para que tivesse “disciplina”, “independência” e este papo de “militaresco”, que prevaleceu por muitas décadas, apoiados em muitos “pedagogos”. Deve ser por isso que vivemos num mundo tão maravilhoso, com pessoas mentalmente muito saudáveis...

***“Por experiência própria”, sei o quanto pode, em determinados momentos ou contextos, ser esgotante criar filhos. Afora coisas como trauma pós-parto, que não julgo ser “bobagem”. Ao contrário. Ou seja: ninguém se torna “perfeito” pela maternidade ou paternidade. E ficar toda hora “se culpando” só vai aumentar o estresse. Pais, como quaisquer humanos, são falhos. Em todo o caso, não precisamos falhar demais, especialmente por conta de uma “puericultura” que parece se inspirar em certos quartéis – ascetismo, dureza, obediência cega, preparação para matar.




Uma curiosidade sobre Rio Pardo, Paulinho! Lendo a National Geographic Brasil de novembro passado (11/2013), uma das reportagens, “As doces imigrantes”, sobre as abelhas e a produção de mel no Brasil e mundo, entre muitas coisas interessantes, está o seguinte, na página 86 – que não é novidade alguma para nós, mas sai numa reportagem internacional, feita pelo repórter esloveno Simon Plestenjak, numa revista conceituada e muito lida:

“No Rio Grande do Sul, as primeiras técnicas da atividade foram postas em prática por alemães, como Frederico Augosto Hanemann e Emílio Schenk – em Rio Pardo, a 145 quilômetros de Porto Alegre, a fazenda Abellina, batizada (não à toa) por Hanemann, ainda está em pé, mesmo sem atividade apícola. Durante décadas, parecia que a apicultura de origem europeia seguiria se desenvolvendo em uma trajetória sem solavancos. Até que um lance mudou completamente o rumo da história das abelhas no Brasil.”

Bacana, né? Mais uma vez, parece que pouco nos ligamos ao que é local e tem um valor histórico e econômico fundamental. O Brasil está entre os 10 maiores produtores de mel do mundo. Metade é exportado e tem uma característica muito valorizada no mercado mundial: tudo vem de produção orgânica, diferente da de outros países.

E outro “mais uma vez”: Não se pense que a tecnologia de extração do mel chegou com os europeus por aqui:

“A produção de mel no Brasil não teve início com os jesuítas, conforme se acreditou durante muito tempo. Os índios, antes mesmo da chegada das primeiras naus europeias, já extraíam o produto das espécies brasileiras, entre elas a jataí, a tubuna, a manduri, a uruçu e a jandaíra.”

Bacana também é a comparação que Plestenjak faz:

“A história da apicultura brasileira tem tons dramáticos. Tanto que pode ser comparada à própria colonização humana do país: uma saga de criaturas nativas que se fundiram com europeias e foram depois poderosamente influenciadas pela presença africana. Até a formação de um tipo híbrido e definitivo. Bem brasileiro.”

A reportagem toda dá para acessar pela internet:

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/abelhas-mel-apicultura-no-brasil

*Sobre Frederico Hanemann, fundador da Fazenda Abelina e rio-pardense de adoção:

É mais uma daquelas personalidades inteligentes, criativas, empreendedoras e pouco conhecidas ou caídas no esquecimento. Vindo do Reino da Saxônia (lembrando que a Alemanha nem existia antes de 1871), depois de passar por São Leopoldo, instalou-se em Rio Pardo, onde criou, em 1868, a Fazenda Abelina, que talvez pudesse ser categorizado como um empreendimento de produção e pesquisa, entre outras funções, inclusive com área de lazer para rio-pardenses, gentes da região e turistas. Inventor, desenvolveu em madeira uma máquina que retirava o mel por centrifugação (foto*). Introduziu espécies vegetais. Introduziu as abelhas “Européias Cárnicas”, que dizem “alemãs”, mas, provavelmente, sejam originárias da Eslovênia (a reportagem mencionada fala disso).

Hanemann, que tem o mesmo sobrenome do médico que desenvolveu a homeopatia, chegou ao Brasil com 34 anos, junto com a esposa. Sua filha nasceu em meio à viagem, no navio. Recebeu o interessante nome de Cosmopolitina – talvez mais uma indicação do espírito ousada de Frederico, querendo dizer que seu bebê era alguém “do mundo”, transcendendo fronteiras. Todo o caso, já em Rio Pardo, em 1884 o pai da menina vai se naturalizar, tornando-se plenamente um cidadão do brasileiro.

A dedicação à apicultura como “sistema racional” – difundido pelo país e também Américas e Europa – implicou também no “cultivo de árvores e pomares de floração melífera”. Os primeiros eucaliptos na região. Vinhedos, bem como a produção vinícola e de uma bebida chamada Hidromel, considerado “uma espécie de champagna”.

Hanemann, além de estudioso e leitor, teve até produção científica publicada em revistas especializadas. Por seu notório conhecimento e disposição comunitária, tornou-se consultor tanto do governo provincial como do ainda gigantesco município de Rio Pardo.

Ele e sua esposa faleceram respectivamente aos 93 e 92 anos, em 1912. Seu túmulo conjunto está na fazenda.

*As informações são retiradas dos sites e . A foto abaixo teriam sido “tiradas pelo seu tataraneto residente em Curitiba, Sr. Hanemann”.




Mencionei numa postagem anterior a Valentina Tereshokova...

Passou batido... Ano passado completaram-se 50 anos de uma outra façanha tecnológica, exploratória e aventureira dos humanos. Na "corrida espacial", os russos, mais uma vez, saem na frente, enviando uma mulher ao espaço em 1963, a bordo da nave Vostok-6, igualando-se ao feito "masculino" do seu conterrâneo, o cosmonauta Yuri Gagarin, dois anos antes.

Toda a história é fascinante, com inúmeros detalhes, derivações, situações admiráveis e outras deploráveis - como tudo que é humano. Valentina era filha de um tratorista e operária de uma fábrica têxtil no interior da então União das Repúblicas Soviéticas, que se apaixonou por paraquedismo, formando um clube de amadores da prática. As circunstâncias, depois, levaram a que fosse a escolhida no programa espacial "comunista", superando candidatos com credenciais acadêmicas - ela não passando de uma trabalhadora braçal, sem formação universitária. Entraram aí até mesmo a sua "formosura" e "adesão partidária" para fins publicitários do regime comandado por Nikita Khrushchov. Mas havia rigores psicológicos e físicos básicos, como o peso e a altura limitados, muito por conta do exíguo espaço das cápsulas orbitais.

Valentina Vladimirovna Tereshokova - seu nome completo - vive até hoje e possui uma presença ativa na política da Rússia pós-comunista. Aposentada já há tempos como major-general da força aérea, formada em engenharia, é deputada no parlamento da Federação Russa. Uma mulher que se sobressai: operária na juventude, paraquedista, piloto de nave espacial, engenheira e política no seu país. Que tenhamos mais mulheres assim!

*Fonte da imagem e informações: http://www.energia.ru/english/energia/history/tereshkova/tereshkova-bio.html




GOODYEAR & OS MAIAS

Um tipo de “futebol” era praticado na mesoamérica antes da chegada de Colombo no Caribe já no final do século XIII. Afora detalhes um tanto tétricos – caso de, entre os astecas, se sacrificar e comer a carne do capitão do time perdedor –, era usada na disputa uma bola de borracha, do tamanho da de basquete, pesando cerca de cinco quilos.

A borracha era vista com algo extraordinário, miraculoso, “vivo” pelos exploradores espanhóis, que foram chegando ao continente nos anos posteriores. “Conheciam a elasticidade de uma mola comprimida, de um arco esticado, mas sequer sonhavam com uma substância que fosse em si elástica”, diz Oliver Sacks em seu “Diário de Oaxaca” (Companhia das Letras, 2012).

Sacks conta que, embora Charles Goodyer tenha a reputação de ter descoberto uma borracha “altamente maleável e elástica”, tratando a goma bruta com exofre, os maias, milênios antes, já haviam desenvolvido esse processo com substâncias da floresta.

Mas mesmo que ignorássemos isso – que os mais já fabricavam calçados, brinquedos e ferramentas com borracha –, mesmo assim, de qualquer forma, o látex “em si”, sua extração, beneficiamento e uso, foram, todas, tecnologias apropriadas dos nativos, se somando a tantas outras “apropriações” (eufemismo para “roubo”), inclusive territoriais e, mais graves ainda, de obliteração cultural “em nome de Jesus” e imposição das demais “instituições civilizadas”...

Quando pensamos em impérios como a Goddyear Company, seus donos, associados ou acionistas e herdeiros, poderíamos pensar nos herdeiros dos maias, incas, guaranis, charruas etc. O que lhes restou? Gente que desenvolveu cultivares como o fumo, o milho, a mandioca (e tanta outra coisa: as especiarias, o chocolate, tecidos, tinturas, técnicas cerâmica, instrumentos de caça, domesticação de animais, arquitetura, matemática, astronomia etc.), enfim, o que ganharam os povos nativos americanos de “royalties”??

Menos que nada: ganharam o desprezo, a pobreza miserável daqueles que não reconhecem uma história milenar; não reconhecem a legitimidade do trabalho de gerações, do gênio criativo que desenvolveu tantos produtos, tantos engenhos – descobertas, invenções que começam bem antes dos Pneus Goodyear, caso do látex e da borracha...

***Sobre o jogo com bola de borracha na mesoamérica, tem esta fonte, com muitas informações didáticas e ilustrações interessantes: http://blog.sciencemuseum.org.uk/insight/2014/01/21/wonderful-things-peruvian-rubber-ball/




E o Papa decretou que capivara era peixe...

“(...) fiquei indignado, mas também achei graça, quando visitei o Pantanal brasileiro alguns anos atrás e soube que ali as capivaras – animais mansos, herbívoros, que não fazem mal a ninguém – quase foram dizimadas em certa época por causa de uma DISPENSA ESPECIAL DO PAPA decretando que na Quaresma esses mamíferos podiam ser considerados ‘peixes’ e, portanto, comidos. Um sofisma monstruoso que ainda por cima deixou as meigas capivaras à beira da extinção.”

A história é contada pelo professor de neurologia Oliver Sacks em seu “Diário de Oaxaca” (detalhes sobre o livro no link abaixo). Outro exemplo de que a falibilidade humana é geral e pode trazer consequências funestas, além de comprovar quanta arbitrariedade se ancora na mais pura bobagem.

http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13028




A ilha que está no mapa, mas não existe...

Sandy era uma ilha próximo a Nova Caledônia, na Oceania. Até 2012, quando pesquisadores comprovaram a sua “falsidade” ou inexistência, constava em muitíssimos mapas em uso. Ou seja, ainda está na maior parte dos documentos cartográficos. É um daqueles casos para pensamos em como uma suposição ou deliberada invenção pode perdurar*. Alguém, por volta de 1880, introduziu a ilha (“com dimensões similares às de Manhattan”) na confecção de um mapa, que foi sendo copiado, copiado, copiado... sem que ninguém fosse “lá” conferir – nem mesmo com todos os recursos que já existem há bons anos. O questionamento veio de um amador, que um dia, no ano de 2000, começou a “desconfiar” daquela localização sem muitas referências além do desenho no mapa, segundo diz a reportagem que saiu na National Geographic Brasil de dezembro passado.

*Lendas como o “Continente de Atlântida” e coisas assemelhadas muito provavelmente se consolidam no nosso imaginário por conta de uma reprodução acrítica, sem busca de comprovações – movidos que somos pelo “fantástico”, aderindo por uma confiança “excessiva”. Mas acho que há “mistérios” que não valem à pena. Até porque há outros muito mais instigantes, e menos propícios a nos barrar conhecimentos muito mais largos e embasados, além de maravilhosos – basta pensarmos nas descobertas e teorias da astronomia contemporânea, da física de partículas, da biologia genética, da antropologia, da paleologia etc. Como já disseram, não é preciso algum duende ou fada pairando para fazer de um jardim florido um espetáculo miraculoso. Basta a agudeza dos nossos sentidos e intelecto para se emocionar profundamente.

**Na ilustração, a “fantasma” Ilha Sandy (ao centro) em mapa alemão de 1932. Tem mais detalhes e outros mapas em http://mapsofsandyisland.tumblr.com/




“As mulheres de Buenos Aires são as mais lindas do mundo.”

Foi o que confirmou categoricamente Charles Darwin, o autor do revolucionário “A Evolução das Espécies”.

“Certamente!”, disse ele ao seu interlocutor, um capitão do exército argentino, exilado numa estância do Uruguai, nas imediações da cidade de Mercedes, postada no Rio Negro. O militar lhe indagava com uma seriedade tal, que o naturalista, ao notar o ar grave e cerimonioso que a questão começava a ser introduzida, anotou assim em seu diário de viagem em 19 de novembro de 1832: “Tremi, pensando na profundeza científica que essa pergunta pudesse ter”.

Obvio que existe aí a veia humorística tipicamente britânica, irônica, elegantemente debochada.

Mas o capitão portenho, sem nenhuma desconfiança, seguiu-se com outra “questão fundamental”:

“Tenho ainda outra pergunta: há lugar no mundo onde as mulheres usem pentes [de adorno nos cabelos, provavelmente o “peinetón**”] tão grandes?”

“Garanti-lhe, solenemente, que não”, disse de imediato Darwin. “Isso lhes proporcionou [ao capitão e a seu compadre uruguaio] o mais absoluto deleite.”

“O capitão exclamou: ‘Vejam! Um homem que viu meio mundo afirma que isso é verdade. Nós sempre acreditávamos, porém agora o sabemos como fato provado’”.

“O excelente julgamento que proferi sobre pentes e beleza feminina valeu-me o acolhimento mais hospitaleiro possível: o capitão obrigou-me a dormir em sua cama, enquanto passaria a noite em outro lugar”, regozija-se divertidamente o naturalista.

Antes desta conversa de venturoso resultado em termos de conforto noturno, Darwin observa que os homens daquela região da América do Sul, dos pampas, mesmo com todas as comprovações científicas já de séculos, “expressavam grande admiração de que a Terra fosse redonda”. Parece, hoje, um absurdo, mas é uma das outras noções contraintuitivas que a observação científica nos possibilitou, ou seja, contaria a percepção imediata, no caso, de que o planeta que habitamos seria algo como uma superfície plana infinita ou, então, uma espécie de prato irregular gigantesco, acabando em abismos intransponíveis – o “fim da Terra”.

*Aliás, ainda existe gente a tentar “provar” que a terra não é uma esfera (geoide), e sim um disco, caso do “Projeto Portal”... Mais um dos contrasserviços da pseudociência a serviço do obscurantismo e exploração da suscetibilidade humana às crendices.

**Na sempre à mão Wikipédia – desta vez em espanhol –, existe um verbete que apresenta o “Peinetón argentino: Derivado de la peineta española y tallado en carey o en asta, el peinetón fue entre 1832 y 1836 el último grito de la moda entre las porteñas.1 En su libro Couture and Consensus: Fashion and Politics in Post-colonial Argentina, Regina Root escribe que los documentos de la época describen al peinetón como un gesto de independencia femenina y diferenciación de España y cercanía a la moda francesa.” http://es.wikipedia.org/wiki/Peineta

***Na ilustração, litografías de Andrea Bacle en "Trages y costumbres de la provincia de Buenos Aires" (1833), apresentam-se modelos usando diferentes "peinetones". http://www.mdzol.com/nota/205086/




“As celebridades começaram a circular com seus lulus, e foi rápido para atingir o público de luxo.”

A declaração é de um empresário do ramo da criação de animais de estimação em Porto Alegre. Todos “de grife”, evidencia-se. Os pequenos e peludos cães spits, os “lulus da pomerânia”, que são os carros-chefes da “uma maternidade canina, climatizada, com 300 matrizes da raça”, funcionando em bairro nobre da capital.

A jornalista de Zero Hora, na edição do último dia 06/01, informa:

“A procura é tanta que, para levar um mascote, tem até lista de espera.”

Todos (ou muitos) querem ter seu cachorros, se não os “de madame”, ao menos um “meia boca”. De onde vem essa mania pet, que estruturou uma economia hoje multibilionária baseada no suposto “amor ao animais”¿

Nós, animais, convivemos com outros domesticados já há milênios. Usamo-los para diversos fins. Charles Darwin, em visita a uma estância no interior do Uruguai nos anos de 1830, no caminho de Montevidéu à Colônia do Sacramento, observou, com a sua curiosidade peculiar – misto de zoólogo e antropólogo – os cães pastores daquela região da “Banda Oriental”. Ele anota assim em “Viagem de um Naturalista ao Redor do Mundo” (edição da Abril Cultural), p. 45:

“Quando se passa a cavalo, é muito comum ver-se grande rebanho de carneiros guardados por um ou dois cães, à distância de vários quilômetros da casa ou homem mais próximo. Muito me admirei de ver como pudesse ter-se firmado amizade tão sólida. O processo de educação consiste em separar da cadela o cachorrinho ainda bem novo, e acostumá-lo aos futuros companheiros. Segura-se a ovelha três ou quatro vezes por dia para o animalzinho servir-se de seu leite, e prepara-se-lhe no cortelho [espécie de curral] uma cama de lã. Em hipótese alguma lhe permitem associar-se a outros cães, ou às crianças da casa. Além disso, geralmente se castra o cãozinho, de sorte que quando atinge a idade adulta, quase não possui nenhum sentimento comum com o resto da raça. Como resultado de semelhante educação, o animal não sente desejo de se afastar do rebanho, que defende religiosamente, tal qual outro cão qualquer que montasse guarda à pessoa do dono. É interessante observar, quando se aproxima de um rebanho, como o cão imediatamente avança, a ladrar, e todos os carneiros se reúnem atrás dele, como se fosse ali o carneiro mais idoso. Estes cães aprendem facilmente a levar para a casa o rebanho, a certa hora da tarde.”

19 de dez. de 2013

O apartheid também é aqui


“Choremos Mandela, mas não esqueçamos as denúncias de Milton Santos [fotoacima], Abdias do Nascimento, Florestan Fernandes e tantos outros/as.”

Aproveitando o período [texto escrito na semana passada] ainda de manifestação de condolência e homenagens ao Mandela, vou colar aqui abaixo uns comentários meus. Faço isso para registrá-los mais explicitamente, já que, observei tristemente, alguns que postaram suas condolência e aderências às ideias e posturas “mandelaianas”, pelo jeito, não gostaram da minha manifestação, postada como apoio e colaboração. Fico pensando por qual razão, mesmo, se fez a exclusão? Há muitos limites ao debate. Falar em África DO SUL, lá do outro lado do mundo, tudo bem; mas em Santa Cruz DO SUL, aqui do meu lado? Aí não é bem assim... Sinto, sendo bem sincero, também, uma certa hipocrisia, um “aproveitar a ocasião” e “dizer palavras bonitas”, para “ser bacana”. Mas ir muito adiante, “concretizar” ou enxergar a própria casa, aí não, né? Há medos. E eu não vou dizer que sou imune.

Segue o que anotei em 06/12:

Que a gente se inspire em Mandela e façamos todos os dias nossa luta contra os “apartheid” que ainda vigora no Brasil e, óbvio, em Santa Cruz. A população negra é vitimada pelo racismo e muitos dados demonstram isso cabalmente, basta ver as médias salariais e os cargos/funções que a esmagadora maioria das pessoas negras ocupam. Fruto da mobilização, temos muitos avanços, caso das políticas como as cotas em universidades, que tentam acelerar uma justiça social, ferida pelos quase 400 anos de escravidão brasileira, quando os africanos e afrodescendentes foram desumanizados, tornados “objetos”, animais de ganho, com o apoio institucional massivo, incluindo igrejas e ciências. A abolição ainda não foi completada, porque “atirou” uma massa de pessoas ao “Deus dará”, após gerações e gerações trabalhando de sol a sol, sem indenização socioeconômica alguma e, suprema sacanagem, marcados pela discriminação (vagabundos, inconfiáveis, intelectualmente inferiores, libidinosos etc.). Enfim, choremos Mandela, mas não esqueçamos as denúncias de Milton Santos, Abdias do Nascimento, Florestan Fernandes e tantos outros/as. Abraços!


Também anotei em outro espaço de debate (felizmente, mantido) algo bem semelhante:

Bom debate [sobre artistas que representam o Brasil na recente cerimônia da Fifa na Bahia]. Mas acho que não é tão simples assim, tipo “qualquer um pode representar o Brasil, que vai ficar bom”. O racismo é coisa séria e precisa de uma abordagem com menos senso comum e mais Florestan Fernandes, Lilia Schwarcz, Milton Santos e o Fernando Henrique Cardos, o sociólogo do tempo do “Escravidão no Brasil Meridional”; mais informações estatísticas, estudos bem abalizados, a partir de fontes fidedignas (IBGE e Ipea), para não apelar a sentimentalismos e vir com dados técnicos. Somos um país racista. Mandela morreu, todo mundo chorou, mas após condolências até do pessoal da KKK, tudo parece voltar a “normalidade” do apartheid nosso de cada dia. Temos um problema não superado. Ou não? Exemplo: Até dois anos atrás, as turmas de medicina da UFRGS, desde 1898 (mais de 110 anos), não tinham praticamente estudantes negros, muito menos, negras (precisou chegar as cotas). E por que isso de não ter negros/as? Por que os pretos são intelectualmente inferiores? Mesmo que alguns tenham vontade de afirmar isso, a verdade é que (vou me repetir outra vez, perdão) se trata do produto social dos quase 400 anos (quatrocentos anos) de escravidão – sistema que gerou a riqueza, sustentou o país e subsidiou projetos de colonização europeia, como em Santa Cruz do Sul (enquanto os mesmo trabalhadores, em 1888, são atirados “a deus dará”, sem terras, sem indenização alguma e com a pecha de “vagabundos” após gerações de relho, suor e sangue – e toda a desumanização que tal regime implicou, fazendo das pessoas afrodescendentes animais comercializáveis, subespécie, coisas. Então, mesmo considerando que possa haver “histeria” por um lado, há também algo importante sendo dito quando se substitui “morenos” por loiros. Não se estará tentando reafirmar uma brancura num país de maioria esmagadora negra e mestiça – até há pouco tão invisibilidade em novelas e comerciais, que se pensava algumas partes do Brasil como uma espécie de Reino da Dinamarca?? Óbvio que algo de podre sempre houve aí...

(...)

Não existe comparação entre o trabalho, sim, duro e a vida sofrida de imigrantes italianos e alemães (algumas levas recebendo 72 hectares de terra e outros subsídios governamentais aqui mesmo em Santa Cruz em 1849), e o trabalho escravo e tudo que ele implicou e implica até hoje. Ser escravizado, ser tido como escravo é uma situação mais do que humilhante – é aviltante da humanidade do ser, concebido como um animal comercializável. Houve a tentativa de destruição de qualquer vínculo cultural e total submissão ao racismo produzido pela igreja, estado e outras instituições “de pessoas de bem”. Somente a resistência negra e a rebelião na forma quilombos, sociedades secretas, sincretismos, grupos de sabotagem e, em último caso, suicídio, não deixou milhares e milhares de pessoas serem moral e economicamente esmagadas – embora algumas foram definitivamente destruídas em sua dignidade. Perto do que passaram os africanos e seus descendentes escravizados, italianos e alemães foram imensamente privilegiados.

E uma observação que fiz em outra postagem sobre Mandela: Heroísmo sem máculas, coisa difícil. Humanos, por definição, imperfeitos, né? O mito, como guia, é bom (ou pode ser bom), como disse o Jeferson. Mas se vamos a fundo... decepções nos esperam quase sempre.


*Milton Santos (foto) foi um dos maiores geógrafos brasileiros e do mundo. Intelectual independente (“outsider”, como ele mesmo dizia), propôs entendimentos sobre a sociedade e a economia que inspiram uma visão crítica, denunciando poderes opressores. Perguntado, disse que ser negro era difícil, pela história do povo africano no Brasil, assim como ser intelectual, porque pensar e fazer pensar não é algo que agrade há muitos.

**Existe um documentário muito bacana sobre Milton Santos. Fica uma dica, que dá uma panorama da sua vida e pensamento:

http://www.youtube.com/watch?v=-UUB5DW_mnM&feature=youtu.be

A perigosa ideia...


“Este livro, então, é para os que concordam que o único significado da vida com o qual vale a penas se preocupar é aquele capaz de suportar nossos esforços para examiná-lo. Os outros podem fechar o livro agora e sair de mansinho.”

O livro, no caso, não é exatamente “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, mas tem tudo a ver, e serviria muito bem como uma de apresentação para a obra-prima do naturalista britânico. O trecho acima está em “A Perigosa Ideia de Darwin – A Evolução e os Significados da Vida” (Rocco, 1998), do filósofo Daniel Dennett. Uma dos livros de apoio que pode enriquecer o debate sobre, sem exagero, a obra mais impactante – e ainda impactando enormemente – a existência dos seres humanos no planeta.

No mesmo “Capítulo Um – Diga-me Por Quê”**, Dennett avalia:

“Sempre que se fala de darwinismo a temperatura sobe, porque há muito mais em jogo do que simplesmente fatos empíricos sobre a evolução da vida na Terra, ou a lógica correta da teoria que explica esses fatos. Uma das coisas mais preciosas que está em risco é a visão do que significa perguntar, e responde à questão, ‘por quê’? A nova perspectiva de Darwin subverte várias hipóteses tradicionais, abalando nossas ideias-padrão sobre o que deveria valer como resposta satisfatória para essa antiga e inevitável pergunta.”

O filósofo alerta para os cuidados na análise, evitando tropeços comuns entre “fãs exaltados” e “críticos sectários”: “Nossa análise exigirá um bocado de coragem. Sentimentos poderão ser magoados”. Por isso, não façamos como alguns: “Os tolos correm (...) onde até os anjos têm medo de pisar.”


*A abordagem de Dennett é impressionante pela agudeza e extensão, tanto quanto o estímulo que pode nos dar – ao contrário do que alguns possam avaliar sobre um pensamento que, ao mesmo tempo que “não deixa pedra sobre pedra”, oferece um vigor, um gosto e uma perspectiva para a vida tão ou mais estimulantes que outras elucubrações, com as da religião tradicional ou formas derivadas (“tipo new age”). “Não seria uma vergonha perder a oportunidade de ver um credo mais forte, mais renovado, estabelecendo-se no lugar de um fé frágil, doentia, que você por engano supôs que não deveria ser perturbada?”, pergunta Dennett.

** “Diga-me por quê” (“Tell me why...”) se refere a uma canção antiga norte-americana que Dennet diz nutrir uma afeto, achando-a belíssima, lembrando-lhe dos acampamentos escolares na sua infância. Obviamente que a resposta (“Because God made...”) já não pode ser dita com naturalidade para quem, mesmo não correndo feito tolo, arrisca-se a encarar a existência sem se achar superior aos companheiros animais, plantas e, num todo, ao Planeta que habita, constitui e constitui-se. Abaixo, a letra em inglês da canção (está na página 17 de “A Perigosa Ideia...”):

Tell me why

Tell me why the stars do shine
Tell me why the ivy twines
Tell me why the sky's so blue
And then I'll tell you just why I love you

Because God made the stars to shine
Because God made the ivy twine
Because God made the sky's so blue
Because God made you, that's why I love you

***Na imagem acima, o quadro "A Encantadora de Serpentes", de 1907, do pintor francês Henri Rosseau. É a ilustração de capa do livro de Dennett na edição original (em inglês), como na brasileira.

Correspondência com o Ferdinando (leões e ursos)

Ferdinando,

Sempre mil coisas.

A reportagem (sensacional) sobre o comportamento dos leões, com fotos (sensacionais), está na (sensacional) revista Natinal Geographic Brasil. Li em papel, mas logo adiante segue o link para a versão no site deles. Tempos atrás, havia feito um comentário no grupelho Visão Científica, que, aproveito, colo junto:

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(...) Da NG Brasil vou destacar uma reportagem muito bacana (textos, gráficos, fotos de alta qualidade para os meus padrões), na edição de agosto de 2013, sobre leões que vivem no Parque Nacional do Serengeti, na Tanzânia.

Páginas 56/57:

“Os tigres são solitários. Idem para as onças-pardas. Leopardos não têm interesse em se associar com outros de sua espécie. O leão é o único felino social. Vive em coalizões cujos tamanho e dinâmica são definidos por um intricado equilíbrio de vantagens e desvantagens evolutivas. E por que o comportamento social, inexistente em outros felinos, adquiriu tanta importância para o leão? É uma adaptação necessária para a caça de presas de grande porte, como os gnus? Facilita a proteção dos filhotes pequenos? Surgiu das características circunstanciais das disputas por territórios? À medida que se delinearam os detalhes da sociabilidade leonina, sobretudo nos últimos 40 anos, muitas das revelações cruciais vieram de estudos realizados no Serengeti.”

E as perguntas acima não caberiam também para os humanos? Por que vivemos em grupo? Como as relações entre os indivíduos se dá – numa perspectiva zoológica também para o Homo sapiens contemporâneo, ou seja, que considere existir um longuíssimo processo evolutivo – processo quel alguns supõem termos escapados ou, mais radical ainda, estarmos alheios, como “imagem e semelhança” de um deus criador, que montou o mundo com tudo pronto (em uma semana) e nos deu tudo para dominarmos e usufruirmos para todo e sempre?

Há os que, não acreditando em criacionismo bíblico, acreditam numa independência total do ser humano das contingências biológicas, tendo nós superado totalmente outros seres do ecossistema planetário, caso dos nossos “primos” gorilas, chipanzés e bonobos. De alguma forma, “endeusam” o ser humano, mesmo que sejam “ateus de carteirinha” (ou “materialistas”), como denuncia Steven Pinker em seu livro “Tábula Rasa”.

Certo, mas voltemos à matéria da NG Brasil. Segue o link:

http://viajeaqui.abril.com.br/materias/leao-serengeti-tanzania-africa-felinos-sociais

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E o que falei sobre a morte de fêmeas pelos machos, está neste trecho da reportagem:

“São belos felinos, um quarteto de machos, com 8 anos de idade, descansando em uma atmosfera de camaradagem. Parecem intimidantes e presunçosos. É provável que sejam dois grupos de irmãos, explica Rosengren, todos nascidos com diferença de meses em 2004. Em 2008, haviam sido apelidados de ‘os Assassinos’ por outro pesquisador, com base na suposição de que mataram três fêmeas com coleiras de rádio, uma após outra, de modo bastante sistemático em uma área de drenagem a oeste do rio Seronera. Tal violência de machos contra fêmeas não é aberração completa – em algumas circunstâncias, talvez até seja um comportamento adaptativo dos machos, liberando espaço aos bandos que eles controlam graças à eliminação da competição sob a forma de fêmeas nas proximidades –, mas, naquele caso, a matança reforçou a reputação de crueldade dessa coalizão de machos.”

Num acaso tremendo (ou nem tão acaso assim, já que estamos sempre transitando pelos assuntos; lendo, conversando, trocando dicas etc), pois no sábado à noite (baita programa...), ao seguir na leitura de “Sozinho no Polo Norte: uma aventura na terra dos esquimós” (L&PM, 1997), do explorador brasileiro Thomaz Brandolin (detalhe singular: o livro é dedicado ao seu companheiro de jornada, o cão Bruno), atentei para o seguinte, entre outras “curiosidades” – vindas de quem se deparou de verdade com “os caras peludos”:

“Apesar de perigoso, o urso polar (Ursus maritimus) é um animal encantador, e é totalmente adaptado às condições polares. Considerado o maior animal carnívoro terrestre, o macho chega a mais de meia tonelada e atinge fácil três metros de comprimento (...). O leite que a mãe [ursa] amamenta seu filhote contém 47% de gordura (...) o da vaca contém apenas 3,5%. São aproximadamente 20 mil ursos [1996] vivendo na costa das regiões árticas. (...) A comida é tão escassa que o território de um urso, onde ele passa a sua vida, pode chegar a 200 mil quadrados – um Paraná inteiro.”

E agora o que interessa para o “caso”:

“Os machos, por serem maiores e mais fortes que as fêmeas, quando estão famintos não respeitam ninguém e chegam a matar uma fêmea ou um filhote para comer. Por isso, na época do acasalamento as fêmeas só cedem aos assédios do macho depois de terem certeza da intenção deles.”

Parece-nos, em nosso julgamento antropocêntrico, uma crueldade inominável, repugnante em alta escala. Mas relativizando, considerando a história evolutiva, da sua mentalidade, dos seu instintos atávicos, a situação não é absurda, muito menos “imoral”... Trata-se simplesmente da natureza dos ursos.

Obviamente, esses acontecimentos do “mundo animal”, mesmo que o sejamos também essencialmente, não “justificam” ou “embasam” de qualquer forma qualquer tortura e morte de mulheres por parte de humanos do sexo masculino frustrados, furiosos, com noções de honra calcadas no mais imbecil machismo.

Luke Skywalker & Charles Darwin

Em um artigo atualizado no final de 2009, o professor de bioquímica Sergio Pena traça uma comparação entre o personagem (ilustração) da saga Guerra nas Estrelas e o naturalista britânico, autor do fundamental “A Origem das Espécies”. Segue uns trechos selecionados e, no final, o link para uma leitura de todo ele.

“Em seu brilhante trabalho de mitologia comparativa, Joseph Campbell (1904-1987) verificou que os heróis de todas as culturas e religiões humanas compartilham um arco de vida similar, que ele chamou de “monomito”. No livro O herói de mil faces, ele descreve que, no processo de se transformar de humano em herói, o personagem universalmente passa por três estágios previsíveis: separação – iniciação – retorno. Isto é especialmente bem exemplificado na trajetória do herói Luke Skywalker em Guerra nas estrelas, pela simples razão de que a sua estória foi escrita por George Lucas estritamente seguindo as teorias de Campbell.”

“O arco de vida de Darwin acidentalmente seguiu de maneira fiel o script monomítico de Campbell. Separação: o jovem destinado a se tornar pároco na Inglaterra vitoriana e ter uma vida monótona abandona seu país para uma aventura de volta ao mundo no navio Beagle. Iniciação: na viagem de cinco anos (dos quais ele passou 2/3 do tempo em terra), Darwin vence várias agruras como constante enjoo no mar, perde a fé religiosa, descobre sua vocação de naturalista e coleta uma fantástica coleção de espécimes biológicos. Retorno: Darwin completa sua aventura no isolamento de sua mansão campestre e emerge como autor da Origem das espécies, um livro contendo ideias que deram novo sentido à biologia e modificaram radicalmente a visão que a humanidade tem de si própria e de seu lugar no universo. Certamente uma trajetória mitológica perfeita – não é de se surpreender que Darwin tenha se tornado um super-herói.”

http://cienciahoje.uol.com.br/colunas/deriva-genetica/darwin-o-super-heroi

Vegetarianos X Paleontologia

Há um tempo venho reformulando minhas concepções sobre a alimentação. “No bojo”, aliás, de outras “reformulações”, que me puseram a (re)ler velhos barbudos, como o Charles Darwin e a miríade de autores que desenvolveram a teoria da seleção natural e o evolucionismo – princípios a agirem na configuração da vida no planeta Terra, incluindo a nós, autodenominados Homo sapiens.

Pois algo que me chamou a atenção foi a tal “dieta pálio” ou paliodieta, que já comentei uma ou outra vez com vocês. Em que pese que possa ser mais um modismo dietético, acredito que, ao passar o “bum” de mais um “método infalível de emagrecimento” (mesmo que isso não seja o objetivo primeiro da proposta), vão ficar muitas coisas boas, caso da consideração efetiva da pesquisa histórica, antropológica, arqueológica e, até, zoológica sobre o ser e a sociedade humanas desde milhares ou milhões de anos, quando começamos a descer das árvores.

Para mim, um simpático ao vegetarianismo por razões éticas, especialmente (evitar o sofrimento de seres senscientes), é algo difícil de equacionar. Mas estou tentando fazer a minha própria “síntese”, combinando concepções vegetarianas (éticas, ecológicas, de compaixão e consideração a dor alheias dos animais não humanos) e, digamos, paleontológicas (aquilo que por milhares de anos o humano e seus antecessores biológicos de espécie comeram).

Vai o link, começando pela apresentação de um livro, “A Dieta dos Nossos Ancestrais”:

http://primalbrasil.com.br/a-dieta-dos-nossos-ancestrais/

*Uma passagem "paulada" de um artigo de Caio Fleury, autor do livro supracitado:

“Substituir alimentos de origem animal por alimentos nutricionalmente pobres demonstra falta de conhecimento básico sobre nutrição que é geralmente apresentada de maneira tendenciosa e cientificamente infundada. Apesar de seus motivos ideológicos que muitas vezes são nobres, estes indivíduos são infelizmente vítimas da ignorância, em grande parte incentivada pela tendência new age de sustentabilidade ambiental e direito dos animais, assim como a tendência dos padrões alimentares atuais, que vem aos poucos ocultando o pouco que nos resta de nossa sabedoria ancestral.”

FONTE: http://primalbrasil.com.br/porque-voce-deveria-comer-mais-carne-e-nao-ser-vegetariano/

**Na revista “Scientific American Brasil” de novembro passado (2013), saiu uma matéria muito interessante sobre a longevidade do humano em relação ao outros primatas – “Evolução – Longa vida aos humanos”. Existem ligações entre a dieta e a “formatação” do ser humano, inclusive o seu tempo de vida. Vou reproduzir diretamente a sequência de parágrafos que me chamaram a atenção em relação a alimentação, desenvolvimento do cérebro, resistência a doenças (p. 42):

(...) Os suecos do século 18 viviam lado a lado em grandes aldeias, vilas e cidades permanentes, onde estavam expostos a sérios riscos de saúde desconhecidos por pequenas comunidades de chimpanzés itinerantes [vivendo na selva]. Então, por que os suecos viviam mais tempo [conforme dados de 1751]? A resposta, ao que parece, pode estar na dieta de carne de seus ancestrais humanos primitivos e na evolução dos genes que os protegiam de muitos perigos dos carnívoros.

Os chimpanzés [nossos “primos”] passam a maior parte de suas horas de vigília em uma perseguição doce: catando figos e outros frutos maduros. Circulam por grandes territórios em busca de comida rica em frutose, usando apenas ocasionalmente o mesmo ninho duas noites seguidas. São especializados em caçar pequenos mamíferos, como o macoco Piliocolobus, mas não procuram deliberadamente essas presas nem consomem grandes quantidades de carne. Primatólogos estudando chimpanzés selvagens na Tanzânia calculam que a carne perfaz 5% ou menos da dieta anual dos símios de lá, enquanto a investigação em Uganda mostrar que a gordura animal representa apenas 2,5% de sua alimentação anual em peso seco.

Muito provavelmente, avalia Finch [pesquisador em genética], os primeiros membros da família humana consumiram dieta semelhante, baseada em plantas. No entanto, em algum momento, entre 3,4 milhões e 2,5 milhões de anos atrás, nossos ancestrais incorporaram uma nova e importante fonte de proteína animal. Conforme sítios na Etiópia mostram, começaram a retirar carne de restos de grandes mamíferos ungulados, como antílopes, com ferramentas simples de pedra, quebrando os ossos para chegar à medula rica em gordura, cortando tiras de carne e deixando para trás marcas de cortes reveladoras sobre fêmures e costelas. Há 1,8 milhão de anos, se não antes, os homens começaram a caçar ativamente animais de grande porte e trazer carcaças inteiras para seus acampamentos. A nova abundância de calorias e prorteínas provavelmente ajudou a impulsionar o crescimento do cérebro, mas também aumentou a exposição a infecções. Finsch sugere que esse risco favoreceu o surgimento e disseminação de adaptações que permitiram aos nosso antecessores sobreviver a ataques de patógenos e, assim, viver mais tempo.

(...)

Outra matéria interessante – “Alimentos e evolução humana – Mudança alimentar foi a força básica para sofisticação física e social” – também publicada no sítio da “Scientific American Brasil”. Segue o link abaixo. Mas, antes, já destaco um pequeno trecho:

“Nós somos vítimas de nosso próprio sucesso evolutivo, desenvolvendo uma dieta calórica concentrada, mas minimizando a quantidade de energia de manutenção despendida em atividade física. (...) O que é singular nos seres humanos é a extraordinária variedade do que comemos. Fomos capazes de prosperar em quase todos os ecossistemas sobre a Terra, consumindo desde alimentos de origem animal, entre as populações do Ártico, até, basicamente, tubérculos e cereais, entre as populações dos Andes.”

http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/alimentos_e_evolucao_humana.html