23 de dez. de 2010

E se “eles” viessem através de um cogumelo, e não em discos voadores?


A mensagem extraterrestre pela chave enteógena

No conto
Entrevista com um alienígena, o escritor Alexandre Raposo nos apresenta uma hipótese das mais interessantes. Começa por uma citação do pesquisador norte-americano Terence McKenna:

Apsilocina, substância em que a psilcibina se transforma assim que entra em nosso metabolismo, é 4-hidroxidimetiltriptamina. Trata-se do único indol com quatro substituições em toda a natureza orgânica. Pensem um pouco nisso. É o único indol que se conhece na Terra com quatro substituições. Acontece que a psilocibina é a substância alucinógena que ocorre em cerca de oitenta espécies de cogumelos, a maioria das quais é nativa do Novo Mundo. A psilocibina tem uma característica única que nos diz: ‘sou artificial; vim do espaço.’ Sugeri que se tratava de um gene – um gene artificial – transmitido talvez por um vírus espacial ou algo que foi trazido artificialmente para este planeta, e que esse vírus insinuou-se na constituição genética desses cogumelos.”

Um camponês latino-americano de origem indígena – ou uma sua imagem e semelhança – está conversando com o protagonista, um arqueólogo acampado em meio a alguma escavação de estudo. Esse “ser” tenta explicar quem ele é, de onde veio, como veio, como está ali; o que ele vai dizendo contraria toda a visão “clássica” sobre ETs, discos-voadores e quejandos.


A “projeção”
do camponês diz ao arqueólogo: “Não sou um ser vivo. Não sou um indivíduo. Mas também não sou um deus, nem uma máquina e nem um daqueles extraterrestres invasores de corpos que povoam a imaginação dos seres humanos de hoje em dia.”

Na verdade, o processo começa com um vírus vindo – melhor dizendo, enviado – do longínquo espaço sideral, que chega a Terra – como uma sonda do tipo Viking, mas não com instrumentais eletromecânicos, e sim “biocatalizadores” – com a missão e capacidade de “alterar uma forma de vida primária de base carbono, de modo a fazê-la produzir certas substâncias as quais, assimiladas pelo cérebro de uma criatura superior [um humano, por exemplo], a tornaria capaz de decodificar a informação que queríamos transmitir”.

O “camponês” continua: “Era a única maneira de preservar a imensa experiência cultural da civilização que represento”, desencadeando uma “reencarnação das memórias e, principalmente, das idéias de bilhões e bilhões de indivíduos geniais”. “No momento em que estou ativo em seu cérebro, é como se todos aqueles a quem represento voltassem à vida, para compartilhar conhecimentos, idéias, memórias e sensações muito antigas.”

Assim, a mensagem de civilizações extraterrestres é revelada por uma “chave psicoquímica”, presente em enteógenos – agentes de mutação da consciência ordinária por seu efeito nas funções cerebrais –, como certos cogumelos, entre outras espécies de fungos e vegetais terráqueos.

Ocorre que, costumeiramente, somos induzidos a conceber supostos seres e objetos extraterrestres de uma maneira bastante padronizada, “materializada”. Tanto as publicações especializadas em ufologia, como as ficções literária e cinematográfica – que parecem se retroalimentar (às vezes viciosamente) – constroem um “senso comum” limitado sobre ETs e suas formas de tecnologia de deslocamento e contato com os seres humanos, obliterando outras alternativas.

De outro lado, outra série de preconceitos afugenta-nos de considerar positivamente determinados meios investigativos – mesmo que milenares, presentes em tradições de inúmeros povos e de uso por outros animais além do mamífero humano (há relatos de javalis, que ingerem raízes de forte efeito psicoativo, se refestelando em seu “transe”). Esse “temor” é bem o caso das experimentações proporcionadas pelo tradicional xamanismo ou sua vertente mais contemporânea – e menos ligada a religiosidades instituídas –, a Psiconáutica.

Podemos ir além de vigílias e visões fortuitas de sinais anômalos no céu. O contato também pode estar numa dimensão onde é preciso abrir “as portas da percepção” (Huxley, parafraseando Blake) e adentrar em um espaço inusitado, insuspeito e, quiça, cheio de possibilidades de aprendizados. Mas, como em toda a vivência com sérios propósitos científicos, não se deve esquecer do devido cuidado e preparação, para não “escorregar” em ilusões e usos negativos e deletérios.

O conto Entrevista com um alienígena está na antologia Éden 4 e outras Histórias Fantásticas, publica em 2001 pela editora Record. Raposo possui outras obras, caso da ficção histórica interessantíssima Inca; ele também é tradutor das edições recentes da quadrilogia best-seller Asteca.

10 de dez. de 2010

Mais “alemães” que a Alemanha


A polêmica na escolha da Rainha da Oktoberfest (2010) de Santa Cruz do Sul é das mais interessantes. Em minha opinião, revelam-se aí os limites da tolerância étnico-racial no município e abre-se a farta mala de diversos preconceitos que nutrimos – vários maquiados por “justificativas culturais”.

Queremos ser mais alemães que a Alemanha, escolhendo como soberana da principal festa municipal uma estereotipagem de jovem germânica, ou seja, uma loira de olhos azuis – como se isso fosse algo geral no conjunto de povos de onde chegaram os primeiros imigrantes ditos alemães ou, ainda menos, do que é o norte da Europa atual.

Bastaria, como já foi aludido, pensarmos na seleção de futebol alemã das últimas copas. Há, entre os jogadores, representando o que há de melhor no país de Beckenbauer, uma pluralidade étnico-racial exuberante, incluindo afro-descendentes – sendo, inclusive, um deles, brasileiro naturalizado alemão.

Mas aqui, mesmo com todas as evidências de um já avançado – e, na verdade, desde o princípio da formação do município – processo de intercâmbio étnico, se quer exclusivismos raciais, o que configura, sem meias palavras, racismo, ou seja, a ideologia supremacista, que hierarquiza e diz, em suma, quem manda e quem obedece (ou quem deve viver e quem deve ser morto, lembrando os campos de concentração do governo alemão de algumas décadas atrás).

Onde a teuto-brasilidade deveria preponderar, vê-se a patética tentativa de afirmar elos com uma Alemanha contemporânea – pouco a ver com os lugares de onde partiram no século XIX as massas de pobres que foram assentadas em terras brasileiras –; uma “Deutschland” onde chega-se ao absurdo de “tradicionalizar” um esporte jamais praticado nas comunidades teuto-brasileiras – o Eisstocksport; até as cores alusivas à germanidade são da bandeira de um país que sequer existia nas primeiras e mais expressivas décadas da colonização germânica no Rio Grande do Sul.

Mas há bons sinais. Até mesmo autoridades locais têm criticado o ”paradigma” (sic) racistóide escondido atrás de argumentos que, ao fim e ao cabo, exigem a “pureza da raça” para ser “a” representante simbólica feminina da beleza, inteligência e simpatia santa-cruzenses. Nisso, a comissão julgadora prestou um bom serviço. Quiçá tenhamos em breve – como disse a secretária de turismo neste ano (2010) – uma moça negra soberana, para tornar de vez a Oktober uma festa que não discrimina, mas representa a variedade étnica que compôs e compõe Santa Cruz do Sul, desde quando o povoado primevo se chamava Faxinal do João Faria.

*Na foto (divulgação), Cacau, brasileiro de Santo André, SP - naturalizado alemão -, no ataque da Seleção da Alemanha, em plena Copa do Mundo 2010, comemora o gol sobre a seleção australiana (foto divulgação).

Teuto-brasilidade x Alemães no Brasil


Triste observar que festividades como a Oktoberfest em Santa Cruz do Sul acabem por configurar-se como uma deturpação histórica, instituindo uma “cultura” que se reporta a elementos estereotipados da Alemanha contemporânea – até mesmo no que se refere ao folclore que lá persistiu –, em menosprezo ao autêntico e rico caldo cultural surgido na interação ocorrida nas comunidades onde imigrantes (de diversas regiões) e descendentes teutos (entre outros) se assentaram e conviveram no sul do Brasil.

Observando pinturas do artista porto-alegrense e teuto-descendente Pedro Weingärtner, falecido em 1929 – viajado e formado também na Europa, incluindo Berlim, Paris e Roma – de vasta produção. Entre vários temas, há retratos da talvez mais autêntica festividade teuto-brasileira no Rio Grande do Sul, o kerb. Mas ao contrário da imagem maquiada de “alemães” vestidos a la Fritz e Frida – duas caricaturas importadas e fixadas artificialmente como “alemães típicos” –, vemos as pessoas com suas roupas domingueiras – incluindo, lenços, ponchos bombachas, bota e vestidos tipicamente gaúchos e brasileiros da época. Nada a ver com chapeuzinhos e macacões “bávaros”, que fazem da Oktober literalmente uma festa a fantasia, uma espécie de carnaval de inverno (ou melhor, de outubro).

Há mais elementos no retrato a demonstrar o entrecruzamento de hábitos trazidos das regiões que mais tarde formaram o país Alemanha e arredores, com os já arraigados na colônia da região do rio Sinos, na província de São Pedro, Império do Brasil. O próprio prédio, com todos os traços das típicas edificações luso-brasileiras, incluindo as “telhas portuguesas”, é enfeitado com as guirlandas tão associadas à germanidade.

Também temos esboçado na pintura de Weingärtner a diversidade fenotípica e separatividades sócio-”raciais”. Da janela, a mulher negra, com seu lenço na cabeça, observa – por de trás de meninos no peitoril do lado de fora – a festa onde provavelmente a sua “dona” se diverte. Ou seja, a comunidade teuto-brasileira convive e está inserida plenamente na sociedade onde a escravidão da população afro-descendente é “normal”. Aliás, não eram raros, como apontam estudos e relatos (embora em pequena medida), os casos de teuto-descendentes proprietários de escravos – ou “padrinhos” de negros e negras, situação que não formalizava a propriedade da pessoa, mas se estabelecia uma situação de exploração da mão-de-obra.

*Na ilustração (divulgação), o pintor Weingärtner.

Demolindo memórias: uma Santa Cruz que vai desaparecendo


Lamentável o que continua acontecendo com a cidade de Santa Cruz do Sul. Suas antigas edificações, casas e prédios comerciais e industriais estão dando lugar a edifícios – muitas vezes de uma beleza e complexidade de uma caixa de sapato, ou seja, uma mediocridade com o fim único de abrigar o maior número de possível de comércios, serviços e habitações, cada vez mais semelhantes a locais de confinamento...

Interessante observar que a cidade, que se diz orgulhosa de seu passado, destrói, literalmente, suas memórias concretas. Nada resiste a tentação do faturamento. Discursos sobre “nossas tradições” não resistem um minuto à cupidez do bolo de dinheiro fácil. Abre-se mão de convicções bem rapidamente. Ou, na verdade, nunca se teve: tudo sempre foi um discurso vazio.

O que define uma cidade na prática se não sua urbanização: edificações, ruas, áreas verdes, passeios, praças etc? Assim, estamos descaracterizando Santa Cruz de forma aguda. Aproximamo-nos velozmente (no centro, em especial) de um mercadão visualmente indigesto, desconfortável: poluído, feio, sem caráter – ou com aquele caráter-padrão, igual a tantas outras cidades que estão neste processo.

Triste também o pouco empenho da comunidade e da sua administração. Como não temos uma política efetiva e eficiente para a preservação e promoção do patrimônio arquitetônico? Será que todos se dobraram à lógica do ganho imediato ou estão alienados para tais questões urbanísticas de alto impacto no futuro da cidade? Afinal, que cidade queremos viver e ver nossos filhos e netos crescerem?

Lembro de uma palestra do José Lutzenberger na Câmara de Vereadores aqui de Santa Cruz; o agrônomo e ambientalista premiado, conhecedor do mundo, teuto-descendente “da gema” (filho do afamado arquiteto e artista alemão Lutzenberguer, radicado em Porto Alegre) perguntava ao público do evento o que estava acontecendo com Santa Cruz? A cidade perdia notoriamente suas edificações antigas. Por que não se fazia como na Alemanha, onde prédios históricos eram zelosamente preservados, convivendo com a arquitetura contemporânea, dando um ar ao mesmo tempo aconchegante, tradicional e moderno? E isso foi dito lá por 1995!

O caso é que queremos ser uma Alemanha só de Oktober – carnavalesca, caricatural, de papelão pintado. Copiamos – mal e indevidamente (deixando de lado a rica cultura verdadeiramente teuto-brasileira –; um folclorismo importado, mas dizendo que se trata de “nossas raízes” (desde quando houve na região de Santa Cruz alguma Oktoberfest ao longo do século XIX até meados de 1980?). E o que de fato há de admirável na Europa, damos de ombros e agimos com aquela mesquinharia cretina, cada vez mais se estampando em suas nossas.

Triste fim de uma cidade outrora singular, simpática... (Além das edificações antigas, áreas como o Cinturão Verde – outra marca da cidade – também estão cedendo à especulação imobiliária.)

Uma casa num dos primeiros lotes da colonização germânica

Estamos morando na Rua Rodolfo Silveira, Bairro Linha Santa Cruz. Ao que tudo indica, exatamente no que foi parcela de um dos primeiros lotes de assentamento da primeira leva de colonos trazidos em 1849 da Silésia e da Prússia para terras governamentais ao norte do Faxinal do João Faria – o povoado que veio a se tornar o núcleo urbano do município de Santa Cruz do Sul.

Chamavam de Picada do Abel – referência ao fazendeiro Abel Corrêa Câmara e ligado a abertura da estrada (e só aí já está uma história cheia de detalhes e implicações), depois Picada Velha e, por último, Linha Santa Cruz, denominação que sobrevive como designação do atual bairro.

A expansão do núcleo urbano absorveu o que era uma comunidade relativamente longe e autônoma da sede da colônia (por sua vez, subordinada a Rio Pardo até 1878). Justamente a autonomia foi decisiva para a transformação da comunidade rural em bairro, com o parcelamento dos então (meados do século XIX) loteamentos agrícolas em loteamentos urbanos, já no estertor do século XX, início do XXI. Estradas em cada vez melhores condições de tráfego, popularização do automóvel, expansão do transporte urbano, telefonia e comércio imobiliário (quase ia dizendo “especulação”...) são também elementos que fizeram da Linha Santa Cruz um bairro, ou seja, uma região citadina.

Mas mantém-se, ainda, uma zona de transição e intersecção urbano-rural. Ruas asfaltadas, centenas de casas, comércios variados etc. convivem com caminhos de carroça e estradas de chão, lavouras de milho, mandioca e potreiros onde pacatos bois e vacas pastam em sua pachorra atávica. A igreja, o salão comunitário, os cemitérios, a velha escola, o sotaque “carregado” e a “típica” desconfiança ao “de fora” também anunciam a manutenção da "germanidade” local – dada por antigos moradores e outros migrantes de outras comunidades interioranas, todos agora se urbanizando necessariamente (fenômeno geral, tal a massividade dos meios de comunicação: a tecnologia e a indústria cultural de mãos dadas).

Sem dúvida, estamos num lugar histórico. Não só para a região, mas para todo o Rio Grande do Sul. É aqui que começa o segundo grande projeto de assentamento estatal, agora a cargo do governo provincial, em 1849, após a consolidação do projeto imperial na Linha Cânhamo, mais tarde município de São Leopoldo.

Os primeiros assentados recebiam cerca de 72 hectares. Possivelmente, no processo de partilha entre filhos e sucessão das heranças (netos, bisnetos, genros, noras etc.), acabamos por morar, após algumas gerações (quatro ou cinco, suponho), no que foi, primeiro, território de circulação e assentamentos nômades de diversos povos indígenas; depois, apossamentos (das terras devolutas) pelos estados – respectivamente – espanhol, português e brasileiro, repassados gratuitamente aos primeiros imigrantes, configurando comunidades agrícolas de colonos (não necessriamente agricultores) da norte da Europa (além de avulsos e pequenos grupos de outras regiões, não esquecendo os pequenos quilombos de fugidos da escravidão da então gigantesca área do município de Rio Pardo, afastando-se cada vez mais para os ermos, na medida que as “linhas” são definidas e ocupadas).

A transformação da Linha Santa Cruz em um bairro de classe média e operária também sinaliza o quanto e como o município de Santa Cruz desenvolveu-se, tornando-se cada vez mais diversificado populacionalmente. Aqui estão famílias com várias referências culturais, sociais e geográficas, miscigenadas em amplo sentido – embora negros e negras ainda continuem uma raridade, ou seja, o “apartheid” ainda está por ser superado e afro-descendentes estão fixados em zonas social e economicamente “desvalorizadas”.

3 de dez. de 2010

Uma pequena história de amor, uma grande lição de História local


Fiquei bastante impressionado com a beleza, riqueza e, também, bom humor e muita sensibilidade expressa no romance Pequena História de Amor, de Wilson Müller, santa-cruzense nascido e criado até juventude numa comunidade típica, ou seja, alguém que vivenciou – e por seu evidente interesse – e inteirou-se do passado local em seu detalhes, consubstanciando na forma literária uma narração, que além de divertir e comover, nos traz muitas informações sobre o cotidiano das povoações de teuto-descendentes de meados do século passado.

O autor não se filia a apologistas de um passado mitificado, cultuando abstrações tão edificantes quanto falsas. Ele traz à tona “a vida como ela é” das pessoas de uma comunidade típica formada por teuto-descendentes no interior de Santa Cruz do Sul. Müller revela a sociedade e cultura teuto-brasileira em sua crueza – e não um arremedo de “louvação”, que alguns tentam impor em livros e artigos, deturpando a complexidade da realidade em nome de um tradicionalismo inventado, tão semelhante ao que se faz com o “gaúcho fabricado” de livros autorizados por CTGs.

Para além do drama a se desenrolar, envolvendo as vidas dos personagens, saltam ali os hábitos sociais e elementos culturais daquela situação histórica e geográfica ímpar – e por isso tão interessante. Os alimentos, os rituais, as diversões, as convenções, os relacionamentos etc.

Já nas primeiras “cenas”, nas primeiras páginas da obra, o casal protagonista, em sua humilde moradia, oferecem alimentos a crianças que lhes visitam numa tarde. Quais são esses alimentos? Pinhão e bata-doce assados na chapa do fogão a lenha, e chimarrão... O agricultor Bruno degusta o seu “aromático” palheiro, feito de fumo em rolo produzido por ele mesmo. Só nesta “cena”, já fica patente como os alimentos e hábitos de uma brasilidade autêntica se incorporaram à vida daquelas pessoas cujos antepassados vieram de longínquos países.

Complementos:

*Situações e acontecimentos que a nostalgia e a mitificação peneiram (ou recalcam) na apologia de um passado composto somente de virtudes, aparecem na narração do Pequena história de amor. A título de exemplo: a exploração aviltante no comércio dos bodegueiros teuto-descendentes ali da própria comunidade; o alcoolismo e viciosidades das rodas de cachaça; os conflitos comunitários de sérias consequências por conta de diferenças de filiação religiosa e por motivações fúteis, escondendo/revelando antipatias agudas entre pessoas do mesmo lugar, com fofocalhadas internas e mesquinharias; interferências no meio ambiente e paisagem natural, etc. Entretanto, a vida ali vivida tem suas riquezas, belezas e bondades – naturalmente entremeadas a misérias, feiuras e vilanias...

**O chimarrão está sempre presente nas casas, no hábito familiar e nas rodas de conversa dos adultos – nas alegres reuniões de domingo das senhoras e, até, nos cinzentos velórios. Muito interessante notar tal incorporação de um hábito tão gaúcho, tão mestiço sul-brasileiro, nas comunidades de teuto-descendentes. Assim, muito mais que chope ou cerveja, é o chimarrão e a brasileiríssima cachaça (a caninha) as bebidas "típicas" do cotidiano da população.

***Aliás, outra referência “muito” luso-brasileira (que também me dei conta lendo trechos do livro Açúcar, do Gilberto Freyre), recorrente e por demais significativa no romance, aparecendo de formas direta e indireta, é o da economia da cana-de-açúcar – cultivo, beneficiamento, consumo e hábitos ligados a isso, arraigados na comunidade teuto local e, ao mesmo tempo, tão centrais na história e vida do Brasil. Com certeza, os colonos assentados, na medida que se instalavam, iam aprendendo as técnicas agrícolas e de fabrico de produtoso, fazendo da cana um dos seus meios de subsistência. E assim como o já mencionado chimarrão, o chá ancestral dos índios do Cone Sul-americano – também incorporado e ataviado pelos ibéricos e seus descendentes –, os “alemães” logo “pegaram” os hábitos do consumo da cana, seja in natura (até para o consumo animal) e seus derivados, como o melado, o açúcar mascavo, a rapadura e outros alimentos onde são componentes indispensáveis (chimias e naquela “sopa de leite” que o personagem Bruno janta todos os dias), além, óbvio, da “mardita” cachaça (o destilado alcoólico mais popular e característico do nosso país)! São elementos arraigados desde muito, que se incorporaram a identidade teuto-brasileira na região santa-cruzense, compondo incluive a paisagem, onde ainda se vê (cada vez mais raramente, infelizmente) as pequenas e rústicas moendas de cana, numa espécie de “pequeno nordeste” (engenhos) colado em nossas paragens “germânicas”. (Uma das agradáveis imagens recorrentes da minha infância é a velha moenda que havia num potreiro nas imediações da casa dos meus tios Albano e Ieda, na então teuto-brasileiríssima Linha Terezinha, interior de Venâncio Aires, onde passamos muitos domingos, natais e páscoas quase lendárias.)

9 de mai. de 2010

E o governo salvou a poderosa GM com 50 bilhões de dólares - mas não pode ter Bolsa Família para os lascados!


Para os radicais do liberalismo, trata-se de uma afronta à ideologia da não interferência do estado na economia. Embora o discurso tenha muito de contraditório. Em algumas circunstâncias, esse pessoal abre exceções – normalmente quando beneficia – ou, no caso, salva da bancarrota – estruturas fundantes do capitalismo, da plutocracia, como está dizendo a população grega, revoltada com as medidas de arroxo radical que sofrerá na carne, exigindo que essa elite dirigente e super-beneficiária – os plutocratas – pague a conta com seus acúmulos e apostas irresponsáveis.

Um exemplo da contradição é em relação ao programa Bolsa Família e similares. Para os lascados, nada de “dar grana”, mesmo que isso se prove um mecanismo assistencial que promove a superação da miserabilidade, com amplos benefícios para todo o país. Comparando, é um recurso ínfimo o que recebem essas famílias em relação ao que vai para os cofres de muitas empresas e empresários...

E antes que venham com aquilo de “nós pagamos impostos astronômicos”, não dá pra esquecer que TODOS são taxados e, além de comprovadamente os pobres pagarem mais impostos, TODOS, de alguma forma, trabalham na geração das riquezas do país.

Olha o trecho do Daniel Dias na coluna Autoestrada do caderno Sobre Rodas, em Zero Hora de 06 de maio:


Uma recuperação importante

De maior montadora do mundo, a General Motors norte-americana quase faliu quando a crise econômica por pouco não engoliu a indústria automobilística nos Estados Unidos em 2008. Precisou a intervenção de Barack Obama, com US$ 50 bilhões, para salvar a gigante. Ao lado do controle do governo, veio a nova GM, enxugada nos gastos e tendo como principal foco o consumidor interno.

Agora a montadora comemora a subida de 6,4% nas vendas do mês passado na comparação anual. A notícia não é só boa para a GM, é boa para todo mundo [que lucra com a fabricação de automóveis]. (...)

4 de mai. de 2010

Sem pinos, com os pés no chão, sem interferir

Li uma reportagem no jornal Zero Hora (04/05/2010) que fala de um trilheiro, Cláudio Martins, de 61 anos, que percorreu, entre outros vários lugares, o vertiginoso Itaimbezinho, no Parque Aparados da Serra (RS, pra quem não sabe, município de Cambará) - e por 25 vezes, a primeira aos 14 anos, em 1963!

Mas o que eu mais gostei, porque é assim que eu prefiro percorrer qualquer trilha:

"[Martins] Não fica dependurado em paredões, não usa pinos, não interfere em nada. Segue trilhas com um bastão: - Faço montanhismo de pé no chão."

Minhas trilhas, além do meu despojamento de equipamentos - à beira da quase (eu disse "quase") irresponsabilidade - não são muito planejadas, não. Apareceu a oportunidade, arranjo um bastão pelo caminho e "vamos lá!"

Faço trilhas até aqui perto de casa, em pequenas sobras de mato e campo dos arredores. Também gosto de caminhar pela cidade, curtindo os vários recantos que, mesmo passando muitas vezes na correria do dia a dia, a bordo do carro ou do buzun, não se percebe em suas várias sutilezas, detalhes, "peculiaridades poéticas".

Mas voltando ao trilheiro sexagenário: ele está preocupado: "- Estão retirando pedras das margens do Rio do Boi para aterrar uma estrada. Até o curso natural do rio [elmento fundamental do cânion] foi alterado".

Triste ver isso... Com tantas evidências das conseqüências das alterações no ambiente natural, nos ecossistemas, continua-se a apostar (roleta russa?) num "desenvolvimento" imediatista, ditado pelo mesquinho e o medíocre. Em nome de quê, mesmo?

28 de abr. de 2010

Não é só os políticos que mentem - descaradamente


A fábrica transcional de automóveis Toyota só depois de muita pressão abriu o jogo sujo e se sujeitou a responsabilidades por ocultar um defeito perigoso em seus veículos. A empresa, seus executivos mostram mais uma vez a verdadeira "ética" que seguidamente "permeia" grandes corporações: mesmo pondo em risco a vida de milhares ou incontáveis pessoas, retardaram, dissimularam, mentiram como puderam, até ficarem sem saída.

Não sou eu quem estou dizendo isso. Na nota que saiu em Zero Hora da semana passada, o secretário americano dos transportes diz que a empresa ignorou a legislação, tentando evitar prejuízos econômicos e arranhões na imagem - não importando que pessoas venham a morrer ou machucarem-se seriamente pela merda que fizeram. O tiro saiu pela culatra dessa vez.

Cretinos de marca maior (olha aí o duplo sentido!). Não é só na política, infelizmente, que temos grandes filhos-da-puta. O bom da história é que está havendo alguma providência.

A mencionada nota do jornal segue abaixo.


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Zero Hora, 20 de abril de 2010.

INFORME ECONÔMICO

por MARIA ISABEL HAMMES

Multa recorde nos EUA

A Toyota aceitou pagar nos Estados Unidos uma multa de US$ 16,3 milhões, a maior imposta a um fabricante de automóveis, por ocultar durante meses um defeito no pedal do acelerador de alguns de seus modelos.

O secretário de Transporte dos Estados Unidos, Ray LaHood, disse que “a Toyota aceitou sua responsabilidade por ter ignorado obrigações legais de informar pontualmente sobre qualquer defeito”. E foi além ao afirmar que o governo continuará investigando se a indústria cumpriu suas obrigações de revelar problemas com os veículos. Aliás, os investigadores do Departamento de Transporte e da Administração Nacional de Segurança na Estrada estão revisando mais de 120 mil documentos entregues pela montadora.

No início do mês, as autoridades americanas acusaram a Toyota de saber desde setembro que seus veículos tinham um defeito no acelerador, mas não comunicou a Washington até quatro meses depois.

27 de abr. de 2010

délibáb ou discos voadores?


Vocês devem ter visto o último CD lançado pelo compositor Vítor Ramil. Se chama délibáb - escrito assim mesmo, tudo em letras minúculas.

A palavra é estranha - húngara - e designa um fenômeno dos mais interessantes - até mesmo (ou especialmente) para os ufólogos e ufologistas. Ramil explica em um trecho do seu livro (ele também é escritor, além de músico), o romance Satolep:

“‘Chamam a este fenômeno de délibáb’, expliquei. ‘Esta locomotiva e este vagão que vocês veem, tão nítidos, a correr neste horizonte desértico, não estão aqui onde parecem estar, mas a pelo menos uns cem quilômetros de distância. Acontece em dias de muito calor. Essa imagem atravessou regiões de atmosferas de densidades diferentes e projetou-se assim, clara, plana e não invertida, diante dos meus olhos. Nenhum som a acompanhava. Só depois de muito procurar é que me convenci de que realmente não havia trilhos no lugar.’”

Ramil diz que encontrou esta palavra de sonoridade e escrita exóticas (para nós que não somos húngaros!) no terceiro volume da coleção Nosso Universo Maravailhoso, de Ernesto Sábato, escritor argentino (deve ser uma coleção supimpa!).

Afora todo o sentido poético, de miragem, de projeção, do estranho e do deslumbrante, vejam o que a atmosfera, em determinadas circunstâncias, pode nos "aprontar". Quantas "visões" podem paracer algo "de outro mundo", mas, em verdade, são daqui mesmo, desse nosso planeta - e de nossos pobres, limitados sentidos!!

Os avistamentos dito ufológicos, ou seja, de objetos voadores não-identificados (ovnis), às vezes podem ser "falsificações" naturais, fruto de condições atmosférias - pressão, temperatura, umidade, composição de gazes, luminosidade, entre outras interferências/circunstâncias naturais, produzindo fenômenos visuais (imagens) extraordinários.

Então, mais um alerta, amigos/as: mais cético que o São Tomé, nem em nossos olhos podemos confiar plenamente!

Abraços!

***Link pra uma canção do CD, onde aparce a capa do délibáb:

http://www.youtube.com/watch?v=tbaIlqOvtSU&feature=player_embedded

13 de abr. de 2010

Dick, o contatado por inteligência ETs e que inventou Blade Runner


Philip K. Dick se tornou mais conhecido através do filme Blade Runner, adaptado do seu livro Do Androids Dream of Electric Sheep (no Brasil ficou O Caçador de Andróides, aproveitando o subtítulo da película cult). O livro é de 1968 e o filme de 1982. Morreu dias antes da estréia, tendo colaborado diretamente com o diretor Ridley Scott (o mesmo de Alien - O Oitavo Passageiro, lançado no já longíncuo 1979).

Mesmo morrendo relativamente cedo, sua produção é vasta - entre contos, novelas e romances - e houve outras adapatações de seus escritos para o cinema, além de arregimentar uma legião de fãs por tudo quanto é canto do mundo.

Mas aqui eu quero destacar algo que está na Wikipédia: Dick "alegou ter sido contactado em 1974 por uma inteligência alienígena". Um autor genial e que faz uma afirmação polêmica dessas...

Menos fantástico que o "contato", mas igualmente interessante: "Inspirado em ideias do Budismo, Cabalismo, Gnosticismo e outras doutrinas herméticas, e combinando-as com certos aspectos das novas crenças na parapsicologia, extraterrestres e percepção extra-sensorial, o autor criou mundos alternativos nos quais acabou eventualmente por julgar viver."

Bah!

Uma lista de seus livros publicados no Brasil:

- O Caçador de Andróides

- O Homem Duplo

- O Pagamento

- Minority Report: a Nova Lei

- O Homem do Castelo Alto

- Valis

- Vozes da Rua


Outros dados da Wikipédia:

Philip Kindred Dick (16 de Dezembro de 1928, Chicago – 2 de Março de 1982, Santa Ana, Califórnia), também conhecido pelas iniciais PKD, foi um escritor americano de ficção científica que alterou profundamente este género literário. Apesar de ter tido pouco reconhecimento em vida, a adaptação de várias das suas novelas ao cinema acabou por tornar a sua obra conhecida de um vasto público, sendo aclamado tanto pelo público como pela crítica.

(...)

PKD explorou em muitas das suas obras temas como a realidade e a humanidade, utilizando normalmente como personagens pessoas comuns e não os normais heróis galácticos de outras obras do género. Precursor do género cyberpunk, o seu livro Do Androids Dream of Electric Sheep? inspirou o filme Blade Runner que, já perto da sua morte por um AVC (Acidente Vascular Cerebral), serviu como introdução a Hollywood e levou a que outras obras suas fossem adaptadas ao cinema.

Os filmes Minority Report / BR: Minority Report: A Nova Lei (com Tom Cruise), Total Recall / O Vingador do Futuro (com Arnold Schwarzenegger), Screamers / BR: Assassinos Cibernéticos com Peter Weller, O Pagamento / Pago para Esquecer (com Ben Affleck) e A Scanner Darkly, (com Keanu Reeves) também são baseados em novelas ou contos de Dick.

(...)

Site oficial do autor (com uma sessão especial só sobre Blade Runner):

http://www.philipkdick.com

8 de abr. de 2010

Zelins


Eu não vi o filme do Lula, mas li uns pedacinhos do livro sobre o companheiro. Como eu já disse, gostemos ou não, acho que o Lula é uma personalidade que será vista na história brasileira à altura da relevância (para o "bem" ou para o "mal") de um Getúlio Vargas, no mínimo, começando por sua trajetória social inusitada, de um nordestino de família paupérrima e que chega ao cargo político máximo do país, quebrando uma tradição de 500 anos do mando por representante da "nobreza" socioeconômica do país (imperadores, militares e bacharéis, basicamente).

Mas mais interessante que a biografia do Luis Inácio, está sendo a leitura da "trilogia" do José Lins do Rego: (1) Menino de Engenho (o menino a partir dos 4 anos), (2) Doidinho (o adolescente aos 14 anos) e (3) Bangüê (o rapaz nos seus 24 anos). A sociedade - já em decadência - moldada pelos/nos engenhos de cana de açúcar do interior nordestino, no caso, Paraíba, sendo substituídos pelas já industriais usinas de refino. Todos esse contexto cultural e econômico entrando na formação da personalidade de um homem.

José Lins é considerado, dentro da literatura, o "inventor" do novo romance brasileiro. Está naquele "rol" de autores que, na escola, a gente vê na "obriga" e pega nojo da coisa.

28 de mar. de 2010

Língua galega: chave cultural à disposição

Dominar um idioma é ampliar o universo de possibilidades humanas, é fazer crescer a quantidade e, também, qualidade de meios de conhecimento, contatos sociais e entretenimento. Faço destaque aqui para a ampliação da massa de leituras – livros, revistas, jornais, blogs etc. que se pode acessar diretamente, sem intermédio de traduções. Enfim, uma riqueza nos é possibilitada com o ler – e também escrever, ouvir e falar – outro idioma.

E existem idiomas que possuem uma tal identidade – de origens ou raízes, de histórias comuns –, tantas semelhanças, que chega a ser um “desperdício” não se apropriar e aproveitar tal chave de comunicação/conhecimento – expressão e contato.

Incrivelmente, muitíssimos de nós desconhece um idioma falado por milhões de pessoas pelo mundo e que é a língua oficial de uma comunidade – algo importante pelas conseqüências na produção textual, que cresce e se atualiza todos os dias. Trata-se da língua galega, o galego ou galez, nascido e mantido na Galícia, região autônoma da Espanha, fazendo fronteira com o norte de Portugal, no oeste do Velho Continente.

Imagine-se, para ficar em apenas um item de produção artístico-intelectual, o número de obras literárias que podemos acessar usando o galego! E para um razoável falante e leitor de português, isso é enormemente facilidade, como eu disse, pelas semelhanças das línguas – bem mais que o espanhol, diga-se de passagem! Tenho certeza que, em pouco tempo, com alguns exercícios de leitura e escuta de galego, “se pega” o idioma tranquilamnte!

Então, para fomentar essa possibilidade de enriquecimento intelectual e humanístico através do contato, uso e desenvolvimento do uso do galego no Vale do Rio Pardo – e, quiçá, no Rio Grande do Sul e todo o Brasil – estamos criando esta comunidade – http://chavecultural.blogspot.com – e outros meios que poderão se seguir.

6 de mar. de 2010

Sem retorno...


Oi, diretora!

Esses dias, conversando com a Nenê, me voltou uma questão, já que estamos no período, novamente, de compras de materiai$$$ escolares:

Não seria mais interessante que a escola (e falo no geral, dos colégios com estudantes majoritariamente de famílias de classe média e alta) começasse a oferecer uma opção de – ao invés de dezenas ou até centenas de itens de materiais escolares (cadernos, canetas, compassos, livros etc.), que chegam, com certeza, somando-se dois ou três anos, na casa do milhar de real; pois não seria mais em conta e bem mais interessante – já no final da primeira década do século 21, quando a gurizada cada vez mais vive on-line via computadores, celulares, smartphones etc., usando-os direto para inúmeras tarefas, sendo esta ferramenta a mais destacada no mundo do trabalho, da comunicação e até da sociabilidade –; não seria mais vantajoso se propor a compra de netbooks ou leptops ao invés da “parafernália” clássica (incrivelmente semelhante a usada por mim e por minha avó Amélia nos nossos tempos escolares – ou seja, os educandários são, mesmo, estruturas muito conservadoras, até para avanços tecnológicos oferecidos pelo mercado capitalista)?

Aposto que, numa possível compra coletiva da escola (com a opção de 3 a 5 modelos de computadores, quem sabe), os preços seriam ainda mais baratos em relação às compras totais de materiais escolares – ainda mais, como falei, se somando mais anos escolares e se considerando que o estudante poderia usá-lo para outras tarefas em casa.

O site da escola, e também blogs dos professores, poderiam ser ainda melhor utilizados para postagens de materiais de apoio às aulas presenciais, além de múltiplas atividades possíveis de ser realizadas de forma virtual (como tu sabes, o EAD no mundo todo é algo sem volta e em constante aperfeiçoamento e ampliação de usuários – e as escolas de ensino básico não terão como ficar fora disso).

Outra hora podemos conversar melhor! Digitei isso agora na corrida, só pra não me esquecer.

Abraço do

Iuri.

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Oi!

Por acaso (ou não!), me deparei ontem (22/02/2010) com uma reportagem em ZH que vai ao encontro do que te comentei sobre uso de netbooks, custos com material escolar, estudantes on-line etc.

Provavelmente tu já tenhas lido. Mas, caso não, segue o texto abaixo.

Abraço do

Iuri.

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Zero Hora, 22 de fevereiro de 2010 - N° 16254

Alunos digitais, escolas analógicas

A maior parte das escolas privadas do Rio Grande do Sul dá a largada hoje para mais um ano letivo. O Sindicato das Escolas Particulares do Estado (Sinepe) calcula que mais de 400 mil estudantes retornem às salas de aula. Neste início de ano, especialistas em educação fazem um alerta: a escola precisa mudar para acompanhar o ritmo da chamada geração Y.

Confira como professores, pais e alunos podem encarar juntos este desafio

Se um estudante do século 19 voltasse às aulas hoje, como boa parte dos alunos gaúchos, provavelmente se espantaria com o comportamento dos colegas e com a parafernália eletrônica que carregam nas mochilas, mas reconheceria de longe a sala de aula: o quadro negro, as fileiras de classes e a figura do professor à frente da turma lhe pareceriam muito familiares. Enquanto a geração do século 21 nasce plugada e desafia os modelos tradicionais de educação com inéditas formas de pensar e de aprender, a escola que se propõe a ensiná-los pouco se modernizou nesses dois séculos.

Diante do choque inevitável entre alunos digitais e um modelo de ensino analógico, especialistas alertam para um momento de ruptura: se quiserem continuar cumprindo seu papel, as instituições de ensino precisam se reformular. E para isso não adianta apenas investir em laboratórios de informática. É necessário repensar desde a maneira de se relacionar com os alunos até a geografia da sala de aula. Em vez de taxar os alunos de inquietos ou desinteressados, é preciso investigar o porquê dessa aparente apatia.

– Isso que a gente chama de indisciplina, desinteresse, apatia deve ser um motivo para mexer na qualidade da aula. Essa geração fuça, mexe, pluga, implode a escola que tem o modelo de aula dos séculos 18, 19 – adverte o professor e pesquisador Adriano Nogueira, que trabalhou com Paulo Freire e assina com ele diversos livros sobre educação, entre eles Que Fazer? – Teoria e Prática em Educação Popular.

Chamados de geração Y por sociólogos, os nascidos depois de 1980 são identificados por uma inquietação permanente, alimentada pela crescente velocidade das redes a que estão conectados. As mudanças são tão aceleradas que já há quem identifique uma geração Z. Segundo o pedagogo e conferencista Hamílton Werneck, autor de livros como Se Você Finge que Ensina, Eu Finjo que Aprendo, ela seria formada pelos nascidos depois de 1994.

– A Z é uma espécie de geração Y mais turbinada, está muito mais conectada no cyberespaço, e a escola está ficando para trás. O problema é que esses alunos também sofrem os efeitos da dispersão. Eles começam pesquisando sobre o Delta do Rio Parnaíba na internet, entram num link sobre o delta do Nilo, daqui a pouco já estão lendo sobre a última pesquisa do DNA de Tucancamon e não fizeram a pesquisa original. A escola tem um papel importante nessa mediação, ajudando a discernir informação – diz Werneck.

Para Paulo Al-Assal, diretor-geral da Voltage, agência de pesquisa especializada em tendências, com sede em São Paulo, um dos problemas da escola atual é que ela mata a criatividade, ao padronizar alunos em seu modelo fabril. E a criatividade é justamente a principal exigência do futuro.

– Minha filha de oito anos assiste Discovery, Geographic Channel, acessa multiplataformas. Aí vem a professora no primeiro dia de aula e diz: “a pata nada”. Em seu formato atual, a escola mata a criatividade – critica Al-Assal.

*Reportagem de LETÍCIA DUARTE

Dois caras


SALINGER

“...aquela guriazinha que ainda não tinha aprendido a maldade do mundo, essa que o leitor e eu já aprendemos e que nos fez ficar desse jeito, de vez em quando cínico, muitas vezes frio e calculista, quase sempre triste.”

A frase é de um artigo muito legal do Luís Fisher no caderno Cultura de ZH (30/01/2010). Ele se refere à personagem Phoebe, irmã de 10 anos do adolescente Holden Caufield no romance O Apanhador no Campo de Centeio, do recentemente falecido J.D. Salinger - escritor que desde os meados de 1960 se isolou em sua casa nos EUA; um cara que teve todo sucesso do mundo, com dinheiro suficiente para valer-se de todos os meios e símbolos desse sucesso representado pelos chamados “bens terrenos”, mas que, de algum modo, absteve-se deles e fez sua vida andar por outros caminhos.

O romance continua, 60 anos depois da sua primeira publicação, vendendo 250 mil exemplares por ano. E é um dos que eu tirei da minha lista de “clássicos a ler” já faz alguns anos (li no embalo, na época, outras coisas do autor, que não me pareceu tão empolgante quando O Apanhador).

Acho que era o Betão quem falava desse livro, junto com O Despertar dos Mágicos, que, coincidentemente, estou agora mesmo lendo aos pedaços.

Pois é. São dois “paradigmas”, que desencadearam revoluções ao apresentar e endossar publicamente interesses, enfoques e comportamentos divergentes. E até hoje são lidos pra caramba, mesmo datados (o começo dos anos 50, no caso de O Apanhador, e dos 70, de O Despertar).

Não sabia: Salinger esteve na segunda Guerra e foi um dos primeiros soldados americanos a entrar em campos de concentração. Isso deve ter tido “algum” efeito, até porque ele que era meio judeu.


VINÍCIUS

Os saudosos da ditadura militar brasileira de 64 devem detestar quando sabem coisas como: Vinicius de Moraes deverá ser promovido postumamente a embaixador brasileiro. Bá!

O “poeta e diplomata”, como se definia, perdeu a sua segunda condição com a expulsão do Itamaraty, com o famigerado AI-5. Não foi só ele. O ano era 1968 e as alegações para o degredo poderiam ser “simpatias esquerdistas, homossexualismo, boemia e alcoolismo”. As duas últimas condenaram um dos mais geniais pensadores, escritores e compositores (e tomadores de whisky) do Brasil a uma situação ultrajante, que agora poderá - ao menos simbolicamente - ter alguma reparação.

Expulsões sumárias de funções públicas foram apenas uma das facetas da ditadura. Quando percebemos que atingiu um cara como Vinicius, é suficiente para indicar o nível do trogloditismo e mediocridade do pessoal envolvido no golpe e seus longos 20 anos de duração - nos quais muito de nós viveram suas infância e juventude.

25 de fev. de 2010

Bebidas alcoólicas: responsabilidade dos supermercadistas e vantagens para toda a sociedade (por uma seção especial para produtos com venda restrita)


Prezados(as) Senhores(as),

Estou lhes enviando abaixo um pequeno texto que apresenta, de modo singelo, a proposta para que os estabelecimentos comerciais, em especial supermercados e similares, tenham uma sessão especial para as bebidas alcoólicas. É o esboço de um manifesto.

Sinceramente, confio numa boa acolhida da idéia, porque se trata de uma ação positiva para todos – comerciantes, consumidores e sociedade em geral.

Somos ainda um pequeno grupo a debater o assunto e a fazer contatos, mas aos poucos estamos estruturando uma mobilização saudável de reflexão e ação concreta na educação do consumo e responsabilização coletiva por mazelas sociais.

É o caso do alcoolismo e tantos outros problemas ligados ao consumo indevidos do álcool, mas que pode, com certeza, ser minimizado por ações relativamente simples, como esta que estamos apresentando – sem cairmos em “radicalismos” contrários ao desfrute de bebidas alcoólicas.

Em meu nome e dos parceiros desta modesta mobilização, agradeço a atenção.

Fico à disposição.

Iuri Azeredo,

iuriaz@hotmail.com,

Santa Cruz do Sul – RS.

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Bebidas alcoólicas: responsabilidade dos supermercadistas e vantagens para toda a sociedade (por uma seção especial para produtos com venda restrita)

A venda de bebidas alcoólicas em supermercados e outros estabelecimentos deveria seguir uma normatização ou, então, uma auto-normatização, além da proibição da venda a pessoas menores de 18 anos, conforme estabelece a legislação brasileira.

A proibição, por si só, é um indicativo de que estamos diante de um produto de uso restrito e potencialmente perigoso ao consumidor. Já é consenso que o álcool pode levar a dependência física e psicológica, e está associado a inúmeras doenças, agressões e acidentes, incluindo os de trânsito. Portanto, não deveria haver nenhuma indução ao consumo ou qualquer situação que indique se tratar de uma “mercadoria qualquer”.

Mas quando as bebidas alcoólicas fazem parte da continuidade de gôndolas onde há refrigerantes, águas mineral, sucos, bebidas isotônicas e mesmo alimentos, estamos a indicar – mesmo que sem a intenção deliberada – uma falsa “inofensividade”. Tratam-se de substâncias que contém quantidades de álcool suficientes para embriagar, ou seja, intoxicar uma pessoa de forma temerária, imprevisível.

Diante disso, não seria prudente e, mais que tudo, educativo, estabelecer-se uma separação maior das bebidas alcoólicas das demais mercadorias nos supermercados e congêneres?

Uma sessão em separado, mas dentro do estabelecimento, com porta específica de entrada, podendo manter uma clara visibilidade através de divisórias com "janelões" translúcidos ou totalmente transparentes.

Nesta sessão, internamente, além de todas as indicações normais das demais gôndolas, também poderiam estar dispostos objetos de merchandising das diversas marcas de cervejas, vinhos, água ardentes, whiskys, conhaques, licores etc. - junto com abridores de garrafa, baldes, pegadores de gelo, equipamentos complementares para o consumo, que poderiam estar ali também, sem necessidade de procurar-se em outras prateleiras. E, se se quisesse ampliar ainda mais os meios de prevenção, poderiam ser dispostos avisos de advertência e outros materiais informativos sobre o uso indevido e consequencias danosas à saúde e bem-estar do consumidor e da sociedade.

Pelo ue observamos, os cigarros e outros produtos assemelhados já têm espaços internos em separado dentro de alguns estabelecimentos – “tabacarias” internas. A separação e o cuidado se justificam como uma ação restritiva e educativa ao mesmo tempo, dentro de uma postura corporativa de comércio responsável e marketing engajado, socialmente correto, trazendo, ao final, vantagens diretas ao sistema mercadológico.

Passa-se a mensagem de cuidado e, ao mesmo tempo, oferece-se um espaço mais exclusivo e até confortável aos adultos que têm condições de arcar com a responsabilidade do consumo de bebidas alcoólicas.

16 de fev. de 2010

Lobisomens e chupa-cabras...

*Não é porque está estreando o filme O Lobisomem, com o ator Benicio Del Toro, que fiz este comentário. (Ou é? Não importa.) Mais porque li a última parte (antes da conclusão) do livro citado abaixo, ou seja, o capítulo VI: "As diabólicas criaturas da noite: vampiros, lobisomens e outros abantesmas". Como já falei, trata-se de um estudo histórico-acadêmico sobre a imaginação geradora de “monstros”, feita pela historiadora, professora da USP, Mary Del Priore. (E olha aí mais uma coincidência: “Del” Toro e “Del” Priory... O filme confirma que o lobisomem, como outras fabulações, permanecem vivas e rendendo histórias há séculos e séculos e séculos...)

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No romance Fogo Morto, considerado a obra-prima do escritor José Lins do Rego, há um personagem, o mestre celeiro José Amaro, que ganha fama de ser lobisomem, porque, foi visto algumas vezes “suspeitamente” vagando nas proximidades de sua casa à noite – quando, na verdade, apenas buscava se refrescar e espairecer após um dia estafante. Mas a fama espalhou-se e o homem – agora tornado lobisomem – começou a por medo até em sua mulher.

A história ficcional de Lins do Rego, mas nutrida das suas vivências infantis e juvenis no nordeste brasileiro, interiores do estado da Paraíba das primeiras décadas do século 20, na zona de engenhos de cana-de-açúcar, com seus cangaceiros e devoções religiosas, registra, entre outros elementos socioculturais, a permanência viva de crendices de origem européias de séculos passados (500 anos, talvez).

Mary Del Priore, no seu já citado “Esquecidos por Deus: Monstros no mundo Europeu e Ibero-Americano”, diz que, no Concílio Ecumênico de 1414, os lobisomens ganharam o reconhecimento oficial até mesmo da Igreja Católica, em mais uma demonstração de que instituições tidas como fidedignas atestam como verdades o que não passa invento de lenda – gênero literário, de transmissão escrita ou oral (seja formal ou informal), que, acho eu, não devem ser desconsiderados em seus potenciais reveladores de conteúdos mais profundos da psique e das sociedades humanas, quando não de verdades por traz de cortinas de fumaça...

O “reconhecimento” de uma organização como a igreja cristã romana fez com que os casos de “licantropia” – transformação de um homem num híbrido com lobo – subissem vertiginosamente. “Entre 1520 e os meados do século XVII verificaram-se 30 mil casos no continente europeu.” [...] Segundo a concepção corrente, os lobisomens, após sua morte, tornavam-se “famintos mortos-vivos a sugar impiedosamente o sangue de suas vítimas”, anota a historiadora Del Priore.

Novamente me remeti aos relatos de contatos “ufológicos”... Não há aí, mais uma vez, paralelos e continuidades entre os lobisomens do século 13 e o do livro Fogo Morto com os relatos “pavorosos” envolvendo chupa-cabras e outros “monstrengos” tidos como “extraterrestres”??? Sangue, aparições noturnas, marcas e... busca frustrada de provas. Mas, mesmo assim, as narrações continuam e se renovam, “enfeitiçando” a nós, sedentos do miraculoso e do terrificante...

Não deve ser a toa que hoje o chupa-cabras coloca-se como mais um personagem do folclore popular brasileiro (e em vários outros países), junto com o curupira, o saci-pererê, a mula-sem-cabeça etc. E, de novo, há aí o “dedo” de muito “ufólogo” a contribuir para a expansão de um “folclorismo ufológico” em lugar do estudo metódico...

12 de fev. de 2010

Geoglifos e o Realismo Fantástico no "Fantástico"...


Sobre a reportagem no programa Fantástico (Rede Globo) de domingo passado, 07/02/2010, vai também meus comentários feitos em outra lista:

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Vou ampliar um pouquinho o mesmo comentário anterior, começando por tentar grafar a palavra “geoglifos” corretamente (escrevi “geóglifos”)...

De fato, muuuuuito interessante! Geoglifos que estavam "escondidos" em meio à mata amazônica brasileira (extremo-oeste, próximo ao Acre) datam de pelo menos o século XIII (e eu desconfio que são bem mais antigos).

“Isso aqui foi gente que fez. É trabalho de engenheiro”, diz o proprietário de terras, o Sr. Jacob Queiroz, do alto dos seus 93 anos.

Mas engenheiros que geraram este conhecimento de que forma? Ou, então, de onde eles vieram? Como detinham essa tecnologia? Onde foram parar?

Questões em aberto...

São valas enormes: retângulos, círculos, octógonos e outras formas muito bem delineadas. E até poucos anos, completamente tapadas pela densa floresta tropical, hoje, infelizmente, rareando em vários pontos.

Ao menos permitiu a visualização dessas misteriosas obras. Dizem que foram feitas num período de seca intensa, quando a vegetação desapareceu... Deve ter durado muito tal seca. Ou o arvoredo foi desbastado pelos “engenheiros”? Ou os “desenhos” foram feitos num período ainda mais longínquo, quando a mata nem estava formada?

Pois é...

Também me chamou a atenção a pressa dos jornalistas em descartar qualquer hipótese que remeta à ufologia – e de uma maneira grosseira, chamando os ufólogos, mesmo de forma indireta, de "delirantes".

O repórter diz o seguinte:

“Também não faltam suposições delirantes. Exemplo: os geoglifos seriam marcas deixadas por extraterrestres. O mesmo já foi dito sobre as linhas de Nazca, no Peru – desenhos gigantescos no deserto, com formas de animais. Pura fantasia.”

Por que “fantasia”, delírio? Há alguma explicação cabal já dada e aceita pela comunidade científica “tradicional”? A própria reportagem menciona que estamos longe de alguma resposta com maior certeza ou consistência.

Tal “prevenção anti-ufológica” imediata me parece tão estúpida quanto o já se sair afirmando que “é sem dúvida coisa de ETs”. Assim, a matéria demonstra e espalha preconceitos em relação aos estudos de ufólogos e ao interesse genuíno de todos os ufologistas.

Claro que há aí uma culpa “nossa”, dos auto-denominados ufólogos, quando dão guarida não a uma ciência aberta, mas a cultos, crendices e coisas assemelhadas...

Para mim, dentro da ufologia, os geoglifos amazônicos são muito mais importantes – do que, por exemplo, crop circles – para lançarmos hipóteses de criações ligadas a outras inteligências, a outras civilizações, quem sabe, até, extraterrestres...

Digo isso um pouco influenciado pelas leituras esparsas dos últimos dias: “O Homem Eterno”, de Louis Pauwels e Jaques Bergier [na fotinho acima] (autores do bem mais famoso “O Despertar dos Mágicos”) e Manuscritos do Mar Morto, de Edmund Wilson (também do bem mais afamado “Rumo a Estação Finlândia”). Duas obras que demonstram grande erudição, passada em linguagem acessível e com ponderações “para além do comum”, mas não-sectária, sem proselitismos ou anunciações proféticas. (Caminhos para desvelamentos, e não mistificações que nos empurram a um atoleiro religioso sem saída.)

***Pauwels e Bergier, de “O Despertar dos Mágicos”, estão arrolados entre os cunhadores (se não são os primevos) da expressão "realismo fantástico". Parece que há uma confusão entre este termo - "realismo fantástico" -, que quer exprimir um maravilhamento com informações que são indicadoras de surpreendentes e empolgantes hipóteses sobre o ser humano, a humanidade e o cosmos, e o termo "realismo mágico", para designar a literatura de caras (geniais também!) como o colombiano Gabriel García Márquez, que produzem contos e romances onde elementos "irreais" entram em histórias verossímeis, caso de "Cem Anos de Solidão".

Serão os ETs de hoje a versão dos monstros do século XVI?


*Mais comentários que elaborei para o debate com meus amigos ligados em ufologia e assuntos correlatos...


Mesmo que isso não seja algo que inviabilize estudos sérios no campo da ufologia – e, pelo contrário, signifique uma interessante linha de investigação para ufólogos –, o meio ufologista está repleto de fabulações. Os relatos extraordinários abundam e, na verdade, acabam por ser uma das características fundamentais daquela que pretende ser a “ciência dos ufos”.

Encontrei subsídios muito úteis para pensar a questão na abordagem feita pela historiadora brasileira Mary Del Priore, professora na Universidade de São Paulo, em seu livro Esquecidos por Deus: monstros do mundo europeu e ibero-americano: uma história dos monstros de Velho e do Novo Mundo (séculos século XVI -XVIII), publicado pela Companhia das Letras em 2000.

Ela diz que, ao vasculhar a produção historiográfica de 200 anos sobre o tema, conseguiu “Resgatar do fundo cultural europeu do século XVI ao XVIII, algumas estruturas mentais por meio das quais se concebiam os monstros e sua diferença.” Del Priore assinala que “‘O possível não se distinguia do impossível’. Os cronistas e viajantes afirmavam, mão sobre o coração, ser verdade o que diziam. Em nome de sua experiência pessoal? Raramente. Com freqüência, em nome da experiência de outrem, de alguém digno de fé, de quem se ouvira falar uma história ‘de verdade’ sobre monstros e monstrengos.”

Tantos relatos resultaram em um consenso geral e sólido, que só foi solapado pela afirmação e investigação “fundada na observação e na experiência”, o que configurou (e configura) a metodologia científica clássica, não mais “confiando” em narrações de “arrepiar o cabelo” – tão prazerosas, tão anunciadoras do empolgante “fora do comum”, mas carentes de sustentação além do “juro que vi” ou “me disseram que enxergaram com os próprios olhos” etc.


Ainda na introdução do seu livro, a historiadora anuncia, quase poeticamente: “Passeio por um universo insólito e ao mesmo tempo cotidiano, passeio pelas ‘marcas de nossos medos’, essa história dos monstros se esforça por penetrar e descobrir no espírito do passado o porquê do imaginário ser tão importante, tão digno de interesse e de poder quanto o visível.” E esta aí, também, um aspecto do respeito que devemos ter em relação aos relatos “ufológicos”, que todos os dias escutamos novos.


IMAGENS – No bestiário, livro com relações de monstros e afins, de Marcotelius, abade e filho de "Felipe, o Bom", príncipe francês nascido em 1396, havia a descrição, com ilustração, de um ser que tem conformações que se assemelham a de gravuras de extraterrestres contemporâneos. Trata-se do "cardeal do mar" (veja acima a reprodução da ilustração) que Del Priory descreve como "imenso peixe dotado de cabeça humana coroada por uma mitra que, segundo uma história relatada por Petrorius, teria aparecido em 1433 no litoral da Polônia. Depois de ter entretido bispos locais, com os quais se comunicara por gestos, abençoou a todos, desaparecendo a seguir num sonoro e elegante mergulho."

Ufologistas poderiam dizer que "está aí mais uma confirmação da existência de seres extraterrestre desde séculos passados". Mas outra argumentação poderá argumentar que os ETs são uma continuidade do atávico motor humano a fabricar suas fabulações, imprimindo nelas seus temores, expectativas, referências culturais e a vontade de emocionar-se com o transcendental, o não-ordinário, o incomum.

Eis o que me parece indicar o texto da professora da USP: Manter-se atento, não descartando, mas também não endossando imediatamente os relatos alheios – ou, mesmo, as nossas próprias visões!

FINALIZANDO – No capítulo de conclusão, a autora lança uma síntese, que também pode servir para as “histórias de ETs”, nos remetendo ainda a mais estudos: “Há nessa trajetória uma quase universalidade de imaginação sobre os monstros em todas as sociedades, do passado e do presente. O que leva a pensar que eles [os monstros ou ETs] têm, aí, um papel importante; os homens, todos eles, obrigam-se a construir mentalmente algo que lhes dê medo. E o medo pode ter suas fontes na religião, na ciência ou na política.”

Iuri J. Azeredo


Algumas outras citações que anotei do livro da Del Priory:

“O domínio do imaginário é constituído pelo conjunto de representações que transbordam do limite imposto pelas constatações da experiência e do encadeamento dedutivo que estas autorizam.”

“[Aquilo que é comum nos humanos:] a curiosidade de longínquos horizontes no espaço e no tempo, terras e mares nunca dantes vistos, angústia inspirada pelo desconhecimento do futuro, em seres extraordinários, atenção aos sonhos.”

“O imaginário [...] servia como contrapeso à regularidade e à banalidade do cotidiano.”



***O texto postado na lista do MGU gerou comentário. Aproveitei para reafirmar o meu ponto de vista. Colo abaixo esta minha “réplica” – com mínimas modificações:

Enviada: terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Para: MGU


Olá, colega!

Agradeço a tua atenção.

Falamos, sim, no Conexão Ufo (programa na Rádio Comunitária de Santa Cruz do Sul) de duas semanas atrás (janeiro 2009), sobre o assunto. Não estava na "pauta", mas surgiu entre as clipagens que eu costumo trazer ao programa, que muitas vezes "rende" um bom debate ou bate-papo.

No texto que rascunhei e passei à lista, tento ligar uma perspectiva sobre "monstros" do século XVI-XVIII, construída pela historiadora Mary Del Priore, para analisarmos os relatos de ETs. Acredito que pode haver, em comum, uma série de componentes sócio-culturais e psicológicos envolvidos.

Acho, sinceramente, que a "vontade de acreditar" (ou o "I Want to believe", subtítulo mui explicativo do último filme Arquivo X) impulsiona ou "contamina" muitos de nós, e aí, não raro, acabamos endossando narrações que não passam de fantasias ou crendices em novas roupagens (prateadas ou verdes... hehe!). Nem por isso, devem ser desrespeitadas, desconsideradas, mas, entretanto, vistas com cautela e também sob um olhar, digamos assim, sociológico ou psicossocial – e sem, muito menos, em princípio, desmerecer as pessoas que trazem tais histórias.

Fora isso, há sempre alguém que gosta de chamar a atenção e então "inventa" algum caso "fantástico". Olha o acontecido, fora da ufologia, com aquela mulher que disse ter vivido um drama durante o “11 de setembro”, perdendo o noivo e blablablá lá nas torres! Também comentamos esse “episódio” no programa, fazendo um "link" com narrações completamente ficcionais e, não raro – o que é pior ainda -, flagrantemente inverídicas, pra não dizer mentirosas, com fins mais ou menos escusos, levando gente respeitável a cair no ridículo...

Aquele abraço!

Iuri



***Ainda envolvendo o debate sobre “monstros & ETs”, segue-se outra mensagem...

Em 5 de fevereiro de 2010, Iuri Azeredo escreveu:


Queridos colegas,

Sobre esses avisos envolvendo Ashtar Sheran...

Pois é... Mandei pra vocês dias atrás um rascunho de um comentário meu com o título “Serão os ETs de hoje a versão dos monstros do século XVI???”. E toda esta preparação para um iminente contato dramático para a salvação do planeta e da humanidade decadente me parece entrar nas fabulações similares às referidas e estudadas pela historiadora Mary Del Priore... Além do “apocalipsismo”, que nos acomete constantemente desde não sei quando, sendo adiado sempre e sempre, mas mantendo o seu vigor, vide as previsões para 2012.

Também está aí, nesses informes e recomendações pomposas, marciais, militarescas até (“comando...", "confederação de mundos...", "tropas dos quadrantes...", "Comandante em Chefe..." etc.), um aspecto messiânico conformador (ou deformador?) da ufologia, que lhe tira, de uma maneira radical, absoluta, do campo científico – mesmo quando falamos de física quântica ou da biologia dos campos morfogenéticos, entre outras linhas pautadas em paradigmas mais abertos, digamos assim. Estamos no campo da religiosidade, da estruturação de seitas “ufologistas” – que, em si, como me referi sobre narrações sobre ETs, merecem toda a atenção do ufólogo, mas não como um engajado ou “crente”. Acho que a postura deveria ser de um estudioso criterioso, que mantém um distanciamento básico, que permita uma abordagem/análise com menos “vícios”.

Abraços!

*Vendo uma ilustração de Ashtar Sheran, comentei com o Rafa que a figura me lembrava o David Bowie em sua melhor forma. Um humano “modelo de beleza”, loiro, forte, alto, olhar inteligente e compassivo, também similar a algumas representações de Jesus – outra referência que se cruza neste “culto ashtariano” e reforça ainda mais os elementos de religiosidade messiânica do caso.

**Ademais, falando em pop, a mencionada pomposidade em designações grandiloquentes como "Comando Ashtar", "Conferderação de Mundos Livres" etc., aludem direto a sagas cinematográficas como Guerra nas Estrelas. O imaginário nesta "cruzada new age espacial" parece não ter nada de muito original...



***Última mensagem envolvendo o assunto:

Enviada: domingo, 7 de fevereiro de 2010
Para: MGU


Prezados colegas,

Agradeço a atenção e deferência dos amigos.

Sim, podem ter certeza de que é com respeito e sincero interesse que me move a debater e externar minhas opiniões sobre temas como Ashtar Sheran e correlatos. Mas não consigo evitar de também tratar com uma certa zombaria, derivada do meu lado cético e pouco afeito a tantas evidências de dubiedades e fraqueza de sustentação –, além da boa vontade ou fé no que é dito.

Aliás, agradeço a vinda da mensagem, porque me provocou a busca de mais informações sobre algo que conhecia alguns poucos fragmentos. Nem suspeitava, por exemplo, que toda esta mobilização no Brasil, que tem a figura de Asthar como centro, desencadeou-se na Bahia, através de um médium Paulo Fernandes, que diz ter estabelecido contato com o “Comandante das Frotas Intergaláticas” e escreveu um relato - “O jovem que se encontrava com extraterrestres” -, fundando, em 1973, o “Ceeas”, Centro de Estudos Exobiológicos Asthar Sheran.

Também não sabia que, antes disso (22 anos), em 1947, houve, na Califórnia, EUA, também a partir de acontecimentos semelhantes (ou semelhantes foram os que aconteceram posteriormente no Brasil...), o surgimento de toda uma organização baseada em supostas mensagens de Asthar, na ocasião intermediadas por um piloto de avião, Van Tassel, e que também fundou um movimento a partir de “orientações” de Asthar.

Aqui e lá, se sucederam “mensageiros” do “comandante em chefe”. (Repito: “ele” vem em paz, mas suas denominações estão ligadas diretamente à guerra, ao belicismo, ao militarismo, por detrás de um discurso “amoroso”, compassivo, como, aliás, acontece em relação à figura de Jesus – em nome do qual já se matou tanta gente neste planeta em cruzadas sanguinolentas –, figura mítica, o Cristo, com a qual Ashtar se “mistura” e até confunde-se...)

Enfim, tudo aí parece remeter a estruturações religioso-messiânicas. E, em específico, remetem a tantas outras proto-seitas ufologistas mais ou menos apocalípticas, caso da recentemente implodida mobilização em torno da figura ficcional (todas as indicações levam a isso) chamada Jan Val Ellan – que, acho eu, não por acaso rima com Ashtar Sheran.

Abraços!

Iuri

2 de fev. de 2010

Tapejara: autocrítica, bom humor e o mundo real do peão gaúcho


Observando algumas comunidades no orkut, que “tiram” o Tapejara – personagem do desenhista e escritor (quadrinista) Paulo Louzada – para “defensor” do gauchismo, entendido como uma autoglorificação, uma autoconsideração superlativa, como se fossemos nós, gaúchos, “o sal da terra”.

Pois eu acho que “o último guasca” é exatamente isso: um guasca (mas não o último), ou seja, o homem rude, que vive nos interiores ou beiradas de cidades, afastado dos refinamentos citadinos, tendo contados esporádicos ou indiretos com o cotidiano “civilizado” da “boa sociedade”. O dia-a-dia do Tapejara é com os animais, as pessoas e o ambiente de uma pequena comunidade no fundo de algum rincão (ou vila de arrabalde e até mesmo na periferia empobrecida de grandes centros urbanos).

Assim, Tapejara se cria, se forma, se educa e socializa em uma “outra lógica”, que, ao se chocar com a “normalidade”, nos faz rir da sua “grossura” e “exotismo” – um xucro, enfim.

Mesmo inspirado em elementos da estátua O Laçador, não é um “modelo de gaúcho”, desses estereotipado pelo MTG – certinho, limpo, com o lenço combinando com a bombacha, que vive em apartamento nas cidades e vai de carro para ensaios de dança e lê manuais que normatizam o comportamento “tradicionalista” (acs!). Não. Ele é desengonçado e parece um palerma, fanfarrão e sentimental. Eu disse “parece”, ou “aparenta”, porque, na verdade, estamos rindo é de alguém que colide com as posturas tidas como “corretas”, “altaneiras”, “civilizadas”.


E nisso , além da gargalhada, surge a nossa simpatia pelo “animal” – justamente porque ele não é o “centauro dos pampas”; não é “um certo capitão Rodrigo”; não é, muito menos, algum gaúcho de programa dominical de TV. Não tem refinamentos intelectuais, acadêmicos, literários; nem um saudosismo piegas de algo que, a rigor, é ficcional, fantasioso, jamais existente; é romanceado como a índia Iracema de José de Alencar. Tapejara VIVE na terra e, embora a comédia, é um gaúcho REAL, de hoje.

A genial criação de Louzada é um “índio” pobre, fora de modismos, desconhecedor de “regras de etiqueta”; possui apenas o seu rancho, seus amigos humildes e sua égua amada (em toda a extensão do termo!); sua instrução é mínima e suas necessidades, preocupações e desejos, básicos. Mas não é um “mal-educado” ou um turrão. É, na verdade, cheio de sensibilidades, fugindo ao machistismo gauchesco, tão insistentemente reivindicado, que virou o seu contrário no anedotário nacional – o gaúcho só pode ser um “boióla” por de traz de tanta necessidade de afirmação de sua masculinidade.

Tapejara é bagual, mesmo! Louzada não lhe dá polimentos de CTG. Mostra características do cotidiano e cultura pampianas a partir dos homens e das mulheres simples, sem posses, que sobrevivem em cantos marginais do RS – e também pela Argentina, Uruguai e Paraguai. Aliás, Tapejara – “Senhor do Caminho” em tupi-guarani – tem tudo a ver com O Banheiro do Papa, belo filme que fala da vida de gaúchos uruguaios, vivendo nos arrabaldes da cidade de Mello, próximo a Aceguá, no Brasil (fica a dica).


Nas tiras, faz-se troça da própria galhardia e coragem “gaúchas”. Exagerada por uma história mitologizada, reproduzida acriticamente, Tapejara, ao contrário, mostra a humanidade do gaúcho; o ser humano falho e risível; o perfeito idiota que todos podemos ser muitas vezes; mostra-nos que, mesmo em nossas limitações de “cultura”, podemos ter as maiores nobrezas; mesmo considerando singularidades, somos, como gaúchos, gente comuns, e não super homens.

Para terminara a conversa, Louzada, por suas historietas, presta um grande serviço, ao mesmo tempo fazendo piada e, paradoxalmente, pela comédia ficcional e até nonsense, apresentando características socioculturais de um gaúcho mais factual.

Diz-se que saber rir de si mesmo é uma virtude positiva. Não um rir de façanhas e ganhos para se gabar, mas um rir das nossas limitações e falhas que nos fazem todos humanos, irmanados por esta condição de seres precários.

29 de jan. de 2010

Sim, brinco é coisa de gaúcho!


Acho que há um certo ridículo nas posições francamente preconceituosas dos autodenominados tradicionalistas, que se pretendem guardiões da “autêntica identidade gaúcha”.

Ou desconhecedores, ou leitores limitados a manuais de CTGs, reproduzem idéias que nada tem a ver com “usos e costumes” tradicionais. Têm a ver com uma normativa conservadora, arbitrária e datada, estabelecida por um grupo com padrões moralistas e estéticos desligados de "real passado", ou seja, do que se tem de documentação fidedigna da formação da população pampiana – do sul do Brasil, e regiões platinas do Uruguai e Argentina – alcunhada de gaúcha.

Só um exemplo: o uso de brincos por homens. Sem conseguir disfarçar a homofobia latente – às vezes, parece, tentando exorcizar fantasmas de sua própria orientação sexual, que não consegue seguir convenções sociais –, proíbe-se o uso deste tão antigo adereço corporal, que, pela ignorância e preconceito mencionados acima, associa-se unilateralmente como algo "de mulher" ou "de maricas".

Pois vejamos a ilustração (de Raimond Quinsac Monvoisin, pintor francês, retirada do livro de Véra Stedile Zattera, Cone Sul – Adereços Indígenas e Vestuário Tradicional,1999) que acompanha este texto. Um garboso “Estanciero” do “Rio de La Plata”, com indumentárias tipicamente gauchas – chiripá, esporas, laço, lenço etc. –, apresenta em sua orelha uma argola metálica, de provável uso habitual e elemento que reforçava a masculinidade do portador - bem ao contrário do que julgam certos senhores macanudos, que se escandalizam, porque presos em seu parco conhecimento histórico e abertura às mudanças culturais inerentes à dinâmica social.

(Lembremos também dos mais que machescos piratas, retratados com suas argolas nas orelhas e faca entre os dentes, em cruentas lutas para espoliar embarcações em alto mar.)

Então, não seria ao menos prudente, para não se sair a dizer mentiras e evitar “cagar lei”, proibindo estupidamente isso ou aquilo em nome de asnices? Paremos e busquemos sempre saber mais, refletir, informar-se – e não nos guiarmos por concepções e emocionalismos cujo fundo é tão frágil, tão débil, que só se sustenta numa infeliz indigência intelectual.

O fumante gourmet


Dizem que a apreciação possibilitada pelos órgãos dos sentidos é um aprendizado, uma sabedoria desenvolvida ao longo da vida. A existência se qualificaria através de uma apropriação cada vez mais refinada das sensações intermediadas por nossos olhos, nariz, ouvidos, boca e pele, geradores de emoções.

O que seríamos sem as sensações, as emoções (em que pese deficiências físicas)? Parece que o ser humano se define pela sensibilidade, pela emotividade. E não só em situações “grandiosas”, mas em “pequenos momentos”.

Tal introdução é para falarmos de coisas como comer, beber, cheirar, tocar, ver e, com isso, emocionar-se e gerar reflexões sobre o miraculoso da trajetória humana – de resto tão limitada e breve.

É bastante tranqüilo e considerado superbacana e saudável palestrarmos sobre “o gourmet”, ou seja, a pessoa que curte pratos, cafés e vinhos, por exemplo. Mas o gourmet de cigarros, cigarrilhas, charutos e “assemelhados” definitivamente está entrando numa categoria muito próxima ao do drogadicto contraventor.

Porém, não déia de ser compreensível. Após anos de propagandas massivas incentivando o consumo indiscriminado do tabaco, como se tratasse de um produto inócuo, as pesquisas médicas não deixam dúvidas sobre os males que o uso contínuo acarreta. E, sendo assim, estão certas as restrições ao consumo.

Mas, creio eu, só até determinado ponto os impedimentos são aceitáveis e válidos. Se a pessoa é maior de idade e não estiver prejudicando terceiros, fumar é algo que está na conta da sua liberdade, um direito individual básico contemplado nas legislações dos países civilizados e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos – que diz, no artigo 12º: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada”, tendo “direito a proteção da lei.”

Evidente: se o fumante está trazendo incômodos com a exalação da fumaça, deverá se abster no momento, porque está ferindo a liberdade alheia. Mas em locais permitidos ou/e que não estejam influindo na saúde alheia, nada poderá impedi-lo, a não ser sua própria consciência.

O problema, me parece, está numa “satanização” do fumar e, consequentemente, do fumante. Concordo que o uso compulsivo do tabaco é tão perverso e detestável quanto o da bebida alcoólica e outras drogas lícitas e ilícitas. Mas comedidamente, responsavelmente, fumar é um prazer tão “digno” quanto beber um expresso, um cálice de algum cabernet, o degustar de um macarrão al pesto etc.

São momentos de fruição, de contentamento, onde os sentidos se alertam, as emoções afloram e a reflexão “corre solta”, embevecida e impulsionada por sabores, aromas, plasticidades e outros deleites estéticos e efeitos no bem-estar da pessoa.

Talvez sejam essas coisas que estejam nas origens milenares, ritualísticas, religiosas, xamanísticas de produtos elaborados a partir de vegetais como o tabaco. E considerando essas coisas, penso que banir-se o consumo do fumo é, na prática, impossível, tal o seu enraizamento histórico. Também é perder-se um meio adulto de autogratificação e expansão de percepções.

Concordando com as limitações legais, para a proteção aos não-fumantes e não-influência a crianças e jovens (a mesma coisa deveria ocorrer com qualquer bebida alcoólica), vejo, entretanto, que há formas de convivência pessoal e coletiva com quem aprecia degustar seu “pito”.

16 de jan. de 2010

Denuncismo e o sepulcro caiado


Esta semana, por uma lista que participo, recebi um e-mail desses de “corrente”, denunciando um suposto ato de censura ao cineasta, comentarista político e escritor Arnaldo Jabor.

Só para registrar o meu repúdio ao denuncismo manipulador – da informação e dos internautas – reproduzo a troca de e-mails aqui no blog.

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Amigos,

Eu mandei um e-mail fazendo umas "ponderações" sobre essa "corrente" e enviei pro pessoal da lista, mas não sei o que aconteceu. Ninguém reagiu... Vou aproveitar e colar a mensagem aqui de novo, porque fala disso: como usam de manipulações e falsidade para exigir "ética"??? [Por que será?]
I.

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Sem querer entrar em defesas partidárias, ideológicas etc., mas parece que essa é uma "notícia" requentada. Mais ainda: flagrantemente manipulada, para parecer "urgente", atual e com um conteúdo nada a ver com a notícia original.

A tal retirada se refere a algo acontecido há mais de 3 anos, em 2006, durante as últimas eleições presidenciais, requerida pela coligação A Força do Povo. E como eu disse, sem ligação alguma com a opinião reputada ao Jabor, colada à mensagem enviada. A fala dele, contestada no processo de 2006, é completamente outra e está num contexto de disputa eleitoral, onde existe um regramento, nada a ver com "censura".

Não sei quem produziu essa "corrente". Mas fica estranho. Que moral esse pessoal vai ter se usa informações manipuladas, distorcidas e mesmo inverídicas para combater supostas mentiras, escamoteações e "pouca-vergonha"??? Cai tudo por terra... A cueca está furada, tchê!

Abaixo, a notícia que saiu em 2006 no Terra (http://noticias.terra.com.br/eleicoes2006/interna/0,,OI1189873-EI6652,00.html).

W.


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Notícias Eleições 2006

Presidencial

TSE determina retirada de comentário de Jabor na Internet

Sexta, 13 de outubro de 2006, 15h43

O ministro Ari Pargendler, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), determinou a retirada da página da rádio CBN na Internet, e das páginas de todas as suas afiliadas, do comentário do colunista Arnaldo Jabor feito no último dia 10 de outubro. O juiz considerou que o comentário favorecia o candidato à Presidência da República Geraldo Alckmin (PSDB) e prejudicava o candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O pedido da liminar para retirada foi requerido pela coligação "A Força do Povo" (PT-PRB-PCdoB), que apóia a reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O advogados da coligação argumentaram que o comentário de Arnaldo Jabor teria emitido opinião favorável ao candidato Geraldo Alckmin e negativa ao atual presidente da República.

O comentário impugnado foi o seguinte: "amigos ouvintes, o debate de domingo serviu para vermos os dois lados do Brasil. De um lado, um choque de capitalismo. De outro, um choque de socialismo deformado num populismo estadista, num getulismo tardio. De um lado, São Paulo e a complexa experiência de Estado industrializado, rico e privatista. De outro, a voz dos grotões, onde o estado ainda é o provedor dos vassalos famintos. De um lado, a teimosa demanda do Alckmin pelo concreto da administração pública, e do outro, o Lula, apelando para pretextos utópicos, preferindo rolar na retórica de símbolo (...)".

A rádio foi notificada da decisão, por fax, na quinta-feira.

Redação Terra

Leia esta notícia no original em:

Terra - Brasil

http://noticias.terra.com.br/eleicoes2006/interna/0,,OI1189873-EI6652,00.html



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De: v.
Enviada: qui 14-01-2010 20:10
Para:
Cc:
Assunto:
Re: Náo deixem de ler [sic]

Maravilhas da internet.

Me dei o trabalho de pesquisar (rapidamente, é verdade) pra ver se esse é mesmo do Jabor, pois ele escreve bem melhor que isso pauleando o Lula e outros, sem julgar o tema do artigo, só o estilo. Sem falar que um simples "copiar/colar" da coluna dele já daria uma diagramação mais atraente.

Me pareceu, um artigo escrito por alguém que não está convencido que só seu texto bastaria pra ser eloquente (além desse monte de exclamações !!! e esse grifos em vermelho, pra nós e o "povo" entendermos os tópicos.), preferindo colocar o nome de um articulista conhecido assinando, pra prestarem atenção. Mesmo que o que está dito não seja mentira, pode ser que eu esteja enganado sobre a pirataria intelectual para manipulação, mas achei ele em vários lugares, menos no Blog do próprio autor ou em algum veículo onde ele escreva.

V.

----- Original Message -----

From:
To:
Cc:
Sent: Wednesday, January 13, 2010 1:25 PM
Subject: Náo deixem de ler

TSE determinou a retirada do comentário de Arnaldo Jabor.

Não deixe de repassar é o mínimo que podemos fazer diante de tanta corrupção!

TSE determinou a retirada do comentário de Arnaldo Jabor do site da CBN.


Leia o comentário de Dora Kramer, Estadão de Domingo:

'A decisão do TSE que determinou a retirada do comentário de Arnaldo Jabor do site da CBN, a pedido do presidente 'Lula' até pode ter amparo na legislação eleitoral, mas fere o preceito constitucional da liberdade de imprensa e de expressão, configurando- se, portanto, um ato de censura.'

Em outro trecho:

'Jabor faz parte de uma lista de profissionais tidos pelo Presidente Lula como desafetos e, por isso, passíveis de retaliação à medida que se apresentem as oportunidades! '

'Não deixem de ler e reler o texto abaixo e passem adiante'!

A VERDADE ESTÁ NA CARA, MAS NÃO SE IMPÕE.

(ARNALDO JABOR)

O que foi que nos aconteceu?
No Brasil, estamos diante de acontecimentos inexplicáveis, ou melhor,'explicá veis' demais.
Toda a verdade já foi descoberta, todos os crimes provados, todas as mentiras percebidas.
Tudo já aconteceu e nada acontece. Os culpados estão catalogados, fichados, e nada rola.
A verdade está na cara, mas a verdade não se impõe. Isto é uma situação inédita na História brasileira!! !!!!!
Claro que a mentira sempre foi a base do sistema político, infiltrada no labirinto das oligarquias, mas nunca a verdade foi tão límpida à nossa frente e, no entanto, tão inútil, impotente, desfigurada! !!!!!!!
Os fatos reais: com a eleição de Lula, uma quadrilha se enfiou no governo e desviou bilhões de dinheiro público para tomar o Estado e ficar no poder 20 anos!!!!
Os culpados são todos conhecidos, tudo está decifrado, os cheques assinados, as contas no estrangeiro, os tapes, as provas irrefutáveis, mas o governo psicopata de Lula nega e ignora tudo !!!!!
Questionado ou flagrado, o psicopata não se responsabiliza por suas ações. Sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. O outro não existe para ele e não sente nem remorso nem vergonha do que faz !!!!!
Mente compulsivamente, acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Este governo é psicopata!!! Seus membros riem da verdade, viram-lhe as costas, passam-lhe a mão nas nádegas. A verdade se encolhe, humilhada, num canto. E o pior é que o Lula, amparado em sua imagem de 'povo', consegue transformar a Razão em vilã, as provas contra ele em acusações 'falsas', sua condição de cúmplice e Comandante em 'vítima'!!!!!
E a população ignorante engole tudo. Como é possível isso?
Simples: o Judiciário paralítico entoca todos os crimes na Fortaleza da lentidão e da impunidade. Só daqui a dois anos serão julgados os indiciados - nos comunica o STF.
Os delitos são esquecidos, empacotados, prescrevem. A Lei protege os crimes e regulamenta a própria desmoralização Jornalistas e formadores de opinião sentem-se inúteis, pois a indignação ficou supérflua. O que dizemos não se escreve, o que escrevemos não se finca, tudo quebra diante do poder da mentira desse governo.
Sei que este é um artigo óbvio, repetitivo, inútil, mas tem de ser escrito...
Está havendo uma desmoralização do pensamento.
Deprimo-me:
Denunciar para quê, se indignar com quê? Fazer o quê?'
A existência dessa estirpe de mentirosos está dissolvendo a nossa língua. Este neocinismo está a desmoralizar as palavras, os raciocínios. A língua portuguesa, os textos nos jornais, nos blogs, na TV, rádio,tudo fica ridículo diante da ditadura do lulo-petismo.
A cada cassado perdoado, a cada negação do óbvio, a cada testemunha, muda, aumenta a sensação de que as idéias não correspondem mais Aos fatos!!!!!
Pior: que os fatos não são nada - só valem as versões, as manipulações.
No último ano, tivemos um único momento de verdade, louca, operística, grotesca, mas maravilhosa, quando o Roberto Jefferson abriu a cortina do país e deixou-nos ver os intestinos de nossa política.
Depois surgiram dois grandes documentos históricos: o relatório da CPI dos Correios e o parecer do procurador-geral da república. São verdades cristalinas, com sol a Pino.
E, no entanto, chegam a ter um sabor quase de 'gafe'.
Lulo-Petistas clamam: 'Como é que a Procuradoria Geral, nomeada pelo Lula, tem o desplante de ser tão clara! Como que o Osmar Serraglio pode ser tão explícito, e como o Delcídio Amaral não mentiu em nome do PT ? Como ousaram ser honestos?'
Sempre que a verdade eclode, reagem.
Quando um juiz condena rápido, é chamado de exibicionista' . Quando apareceu aquela grana toda no Maranhão (lembram, filhinhos?), a família Sarney reagiu ofendida com a falta de 'finesse' do governo de FH, que não teve a delicadeza de avisar que a polícia estava chegando...
Mas agora é diferente.
As palavras estão sendo esvaziadas de sentido. Assim como o stalinismo apagava fotos, reescrevia textos para contestar seus crimes, o governo do Lula está criando uma língua nova, uma neo-língua empobrecedora da ciência política, uma língua esquemática, dualista, maniqueísta, nos preparando para o futuro político simplista que está se consolidando no horizonte.
Toda a complexidade rica do país será transformada em uma massa de palavras de ordem , de preconceitos ideológicos movidos a dualismos e oposições, como tendem a fazer o Populismo e o simplismo.
Lula será eleito por uma oposição mecânica entre ricos e pobres, dividindo o país em 'a favor' do povo e 'contra', recauchutando significados que não dão mais conta da circularidade do mundo atual. Teremos o 'sim' e o 'não', teremos a depressão da razão de um lado e a psicopatia política de outro, teremos a volta da oposição Mundo x Brasil, nacional x internacional e um voluntarismo que legitima o governo de um Lula 2 e um Garotinho depois.
Alguns otimistas dizem: 'Não... este maremoto de mentiras nos dará uma fome de Verdades'!

ESSE TEXTO PRECISA E DEVE SE TRANSFORMAR NA MAIOR CORRENTE QUE A INTERNET JÁ VIU !!!


Depois disso, outro amigo, pela mesma lista, reproduzu outro e-mail denuncista, dessa vez contra o ministro Tarso Genro. Comentei o seguinte:


De novo: não quero entrar em polêmica desgastante e já faz um bom tempo que não olho mais o PT e o mundo da política partidária com romantismo ou/e visão maniqueísta. Mas, Xanduty, mais uma vez, estamos diante de mais uma "corrente" que pretende "denunciar", "alertar" sobre sacanagens - só que a mensagem demonstra que, por de trás dela, aquele que a fez, é um sacana manipulador, cheio de má-fé, e que usa da boa-fé de opositores do PT etc. para "disseminar" uma cafajestada travestida de "preocupação ética". Quer dar moral, denunciar a imoralidade, mas cometendo uma baita imoralidade ao jogar com dados, usando de parcialidades para parecer escandaloso. Vale tudo, então? Os fins justificam os meios? Me faz lembrar da parábola bíblica, onde Jesus fala em "sepulcros caiados", no Evangelho de Mateus.

É o que eu falei sobre aquela outra "corrente", dizendo que o Lula censurou o Jabor, numa grosseira manipulação, e que ninguém aqui comentou de volta...

Com as informações que tenho, que saíram na Folha de São Paulo e no Estadão, não dá para concluir da forma que o carinha faz, num evidente "anti-tarsismo". Não se trata de jornalismo, mas de pura propaganda difamatória. Merda querendo combater merda, só aumentando a merda mais ainda.

E apenas um detalhe, pra não nos cansarmos mais: todos os dados usados pelas reportagens estão disponíveis no Portal da Transparência, site da Controladoria-Geral da União, do Governo Federal...

I.