Num daqueles acasos (talvez não seja o termo adequado), depois de ter postado um comentário sobre a fé depositada em relíquias, no caso, as capelinhas de Shoenstatt, que remete ao culto da Virgem Maria, ícone religioso católico recorrente em aparições, sendo uma das mais famosas aqui no Brasil a de Fátima (Nossa Senhora de Fátima), pois depois disso me deparo com uma interessantíssimo artigo “A ciência da glória”, publicado na Scientific American Brasil, edição 117, de fevereiro 2012.
No artigo, o professor de física da Universidade Federal do Rio de Janeiro, H. Moysés Nussenzveig, ganhador do prêmio Max Born da Optical Society of America, desenvolvendo “abordagens teóricas inovadoras numa ampla gama de fenômenos ópticos e atualmente pesquisa biofísica celular”, apresenta uma síntese, justamente, de um fenômeno atmosférico que causa impressionantes visualizações, chamado de “glória” – em alusão, sim, às pinturas e relatos de formas corporais iluminadas, em especial na cabeça (aurelas), caso dos “santos” em várias iconografias religiosas de várias crenças, não só cristãs.
O objetivo da matéria do físico brasileiro Nussenzveig não é desmistificar aparições de virgens e outras deidades (ele nem toca nesse assunto), mas de entender cientificamente “Um dos mais belos fenômenos na meteorologia [e que] tem uma explicação surpreendentemente sutil” e, assim, auxiliar “a prever o papel que as nuvens terão na mudança climática”. Entretanto, eu fiquei a pensar (como dizem os lusitanos) que quantas e quantas “aparições” podem ser explicadas como visualizações desse fenômeno físico-químico ocorrendo em determinadas condições atmosféricas e posicionamentos visual da(s) pessoa(s).
Observem a ilustração de Alfred T. Kamajian que reproduzo (divulgação) abaixo e está na matéria, acessível pelo link
http://www2.uol.com.br/sciam/artigos/a_ciencia_da_gloria.html
Comparem com a ilustração da aparição da Nossa Senhora de Fátima...
E tirem suas própria conclusões...
Pessoas já sensibilizadas/educadas/instruídas pela educação religiosa, vendo figuras de santos e santas, em um certo dia local “propícios”, vêm a projeção – com halos coloridos, neblina e sombras – de seus próprio corpos “no ar”... Imediatamente associam aquilo a uma divindade, desencadeando reações emocionais das mais diversas... Não será muito difícil que concluam que a imagem esteja “falando com elas”, dando à observação de um fenômeno puramente ótico-atmosférico atributos “extras”, advindo da imaginação (mantos cintilantes, rostos lívidos, lágrimas copiosas, vozes tristes etc.).
E mais: a mesma situação de visualizações “incrementadas” pela emotiva imaginação não pode ser dita sobre os “contatos imediatos” com figuras prateadas ou cinzas saídas de discos voadores?
Vejam a ilustração...
Mais uma ligação – para mim ao mesmo tempo interessante e triste – entre ufologia e misticismo religioso. A ufologia como uma continuidade do messianismo religioso, e não uma investigação pautada na objetividade científica, calcada nos conhecimentos e tecnologias de investigação mais avançados. Continuamos, numa contradição de palavras, “beatos ufológicos”...
***Num site devoto da Nossa senhora de Fátima localizei um histórico dos acontecidos, que culminaram num novo culto a essa figura polinômica, que teria sido a mãe de Jesus Cristo.
As três crianças costumavam apascentar as suas ovelhas em propriedades da família. Um dia, pela primavera de 1916, tiveram de se abrigar de uma chuva passageira, numa pequena caverna a que chamavam “loca do Cabeço”. Aí continuaram a brincar pelo dia afora, até que sentiram um vento forte sacudir as árvores e, ao levantarem os olhos, vêem encaminhar-se para elas “um jovem dos seus 14 ou 15 anos, mais branco que se fora de neve” – como o descreveu Lúcia, que narrou assim a aparição:
“Estávamos surpreendidos e meio absortos e não dizíamos palavra. Ao chegar junto de nós, disse: ‘Não temais! Sou o Anjo da Paz. Orai comigo (...). Meu Deus, eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e não Vos amam.’ Depois de repetir isto três vezes, ergueu-se e disse: ‘Orai assim. Os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas’. E desapareceu.”
Percebam que no próprio relato cita-se condições ambientais (caverna no campo) e atmosféricas (chuva passageira, vento forte), cuja combinação – junto com a posição das crianças – poderia, somado a predisposições psicológicas, produzir a “aparição”, no caso, de um jovem “anjo” - “mais branco que se fora neve”.
Na última “aparição”, o texto diz o seguinte:
Abrindo as mãos – continua a narração de Lúcia – fez com que elas refletissem no Sol, e, enquanto se elevava, continuava o reflexo da sua própria luz a projetar-se no sol. (...) Foi ao ver isto que exclamei: - Olhem para o sol!”
Chegara o grande momento do milagre! O Dr. Almeida Garrett narra o que presenciou nas seguintes palavras: “O sol, momentos antes, tinha rompido a densa camada de nuvens (...). Pude vê-lo semelhante a um disco de bordo nítido e aresta viva, luminosa e reluzente, mas sem magoar. (...) Também se não confundia com o sol encarado através do nevoeiro (...). Maravilhoso é que, durante longo tempo, se pudesse fitar o astro (...) sem uma dor nos olhos (...). Este fenômeno (...) devia ter durado cerca de dez minutos. (...) Este disco nacarado tinha a vertigem do movimento. (...) Girava sobre si mesmo numa velocidade arrebatada. De repente, ouve-se (...) um grito de angústia de todo aquele povo. O sol, conservando a celeridade da sua rotação, destaca-se do firmamento e, sanguíneo, avança sobre a terra (...). São segundos de impressão terrífica...”
Enquanto a multidão assistia ao prodígio, entre jubilosa e aterrada, às três crianças eram dadas ainda as visões da Sagrada Família, de Cristo abençoando o povo e de novo a da Virgem. Sobre o milagre do sol, escreveu o Bispo de Leiria, mais tarde, em Carta Pastoral, estas palavras serenas e definitivas: “Este fenômeno que nenhum observatório astronômico registrou e, portanto, não foi natural, presenciaram-no pessoas de todas as categorias e classes sociais, crentes e descrentes, jornalistas dos principais diários portugueses e até indivíduos a quilômetros de distância, o que destrói toda a explicação de ilusão coletiva.”
Os incrédulos explicaram que tudo isso era um caso de “histeria em massa”. Mas quando depois se soube que o fenômeno fôra visto e registrado por grupos independentes localizados até cinqüenta quilômetros longe de Fátima, os críticos incrédulos se calaram.
Que “os críticos incrédulo se calaram”, duvido muito. A narração novamente se refere a situações ambientais e atmosféricas peculiares (o “sol rompendo imensa camada de nuvens”; “o sol encarado através do nevoeiro”), afora, novamente, uma predisposição coletiva (“gritos de angústia, “multidão jubilosa e aterrada”) para transformar, como se diz, “uma lagartixa em jacaré”... A hipótese da “histeria em massa” para mim é muito boa: produto de fenômenos atmosféricos perfeitamente naturais, catalizado por expectativas, emoções “a flor da pele”, induções religiosas.