Fim de semana na casa do seu Zé, aproveitei para, como sempre faço, passar os olhos no diário municipal. Muito me chamou a atenção um anúncio daqueles típicos, agradecendo o apoio nos atos fúnebres e convidando para a missa de sétimo dia. Típico não fosse um “detalhe”: ao invés das clássicas cruzes (no caso de judeus, seriam estrelas de Davi), estava estampada o distintivo do clube de futebol do fi...nado – na mesma posição dos símbolos religiosos, sendo o fundo da nota nas cores da bandeira do time.
Não vai aqui crítica alguma aos familiares e amigos que publicaram a nota. Simplesmente destaco a relevância, o lugar alcançado pelo futebol, ou melhor, pelas agremiações futebolísticas na vida – e morte! – das pessoas. Ao ponto de tomarem o lugar da tradicional filiação religiosa – no caso mais comum na nossa região, o cristianismo, simbolizado no crucifixo e suas derivações.
O clube tornou-se fundamental na identidade de uma massa cada vez maior de pessoas. Uma razão de existir e que é (supostamente) levada para o transcendental, para o “além”.
Interessante que, apesar do meu sobressalto, percebi que as pessoas não pularam da cadeira ou, mesmo, franziram a testa ao olharem o anúncio...
Já havia mencionado algo do gênero, quando li uma notícia de que um menino, de seus 10 anos, ao morrer de uma grave doença, foi sepultado acompanhado... não por um rosário ou algo assim, mas pela bandeira do seu time de futebol...
São tempos de crise, realmente, de instituições milenares. Mas a necessidade de identificações coletivas, que implicam em muita “devoção”, continuam presentes, agora migrando para outras formas de “culto”, suplantando antigos costumes.
* Sim, para um agnóstico como eu, sempre curioso e aberto ao debate, a mudanças de pensar, esta é uma questão fascinante: o desejo de perpetuação e as formas de buscar isto.
** Aproveito para acrescentar que outra coisa que já me chamava e ainda chama a atenção: os anúncios de nascimento, onde os pais já impõe uma filiação ao mesmo tempo ao futebol e a um clube determinado – como se o bebê já estivesse “obrigado a curtir” o esporte e, mais ainda, a ter uma identidade, um “lado” definitivo, talvez para até depois da morte! É um “direito” que os pais se arrogam, assim como a filiação religiosa, definida num batismo que a criança não tem consciência alguma (lembrando que Jesus, bem ao contrários de muitas de nossos crianças, teve escolha e foi batizado [ou rebatizado, sendo judeu] já bem adulto, pelo primo e profeta João Batista, no mítico Rio Jordão, lá no Oriente Médio).
*** Outra coisa a se pode considerar no assunto: quando a identificação ao Inter ou Grêmio ou Flamengo ou Corinthians ou Cruzeiro ou Bahia etc. começa a equivaler a filiação religiosa Católica, Luterana, Espírita, Umbandista, Judia, Muçulmana, Budista etc., ou seja, a uma adesão a crenças sobre a vida e a “pós-vida” (e “pré-vida”), ou seja, a eternidade, podemos estar gerando uma adesão sectária, “fundamentalista” a uma “igreja” (brigas, guerras de torcida talvez sejam indicadores do lado perverso deste tipo de identificação intensa); no mínimo, estamos num caminho obscuro, quando o futebol e o time para quem torcemos toma uma importância, uma proporção imensa em nossas vidas, inclusive naquilo que dá sentido ou um sentido que se perpetua, ou seja, o transcendental – o que transcende a nossa “existência terrena”.