19 de ago. de 2013

Futebol além da vida



Fim de semana na casa do seu Zé, aproveitei para, como sempre faço, passar os olhos no diário municipal. Muito me chamou a atenção um anúncio daqueles típicos, agradecendo o apoio nos atos fúnebres e convidando para a missa de sétimo dia. Típico não fosse um “detalhe”: ao invés das clássicas cruzes (no caso de judeus, seriam estrelas de Davi), estava estampada o distintivo do clube de futebol do fi...nado – na mesma posição dos símbolos religiosos, sendo o fundo da nota nas cores da bandeira do time.

Não vai aqui crítica alguma aos familiares e amigos que publicaram a nota. Simplesmente destaco a relevância, o lugar alcançado pelo futebol, ou melhor, pelas agremiações futebolísticas na vida – e morte! – das pessoas. Ao ponto de tomarem o lugar da tradicional filiação religiosa – no caso mais comum na nossa região, o cristianismo, simbolizado no crucifixo e suas derivações.

O clube tornou-se fundamental na identidade de uma massa cada vez maior de pessoas. Uma razão de existir e que é (supostamente) levada para o transcendental, para o “além”.

Interessante que, apesar do meu sobressalto, percebi que as pessoas não pularam da cadeira ou, mesmo, franziram a testa ao olharem o anúncio...

Já havia mencionado algo do gênero, quando li uma notícia de que um menino, de seus 10 anos, ao morrer de uma grave doença, foi sepultado acompanhado... não por um rosário ou algo assim, mas pela bandeira do seu time de futebol...

São tempos de crise, realmente, de instituições milenares. Mas a necessidade de identificações coletivas, que implicam em muita “devoção”, continuam presentes, agora migrando para outras formas de “culto”, suplantando antigos costumes.

* Sim, para um agnóstico como eu, sempre curioso e aberto ao debate, a mudanças de pensar, esta é uma questão fascinante: o desejo de perpetuação e as formas de buscar isto.

** Aproveito para acrescentar que outra coisa que já me chamava e ainda chama a atenção: os anúncios de nascimento, onde os pais já impõe uma filiação ao mesmo tempo ao futebol e a um clube determinado – como se o bebê já estivesse “obrigado a curtir” o esporte e, mais ainda, a ter uma identidade, um “lado” definitivo, talvez para até depois da morte! É um “direito” que os pais se arrogam, assim como a filiação religiosa, definida num batismo que a criança não tem consciência alguma (lembrando que Jesus, bem ao contrários de muitas de nossos crianças, teve escolha e foi batizado [ou rebatizado, sendo judeu] já bem adulto, pelo primo e profeta João Batista, no mítico Rio Jordão, lá no Oriente Médio).

*** Outra coisa a se pode considerar no assunto: quando a identificação ao Inter ou Grêmio ou Flamengo ou Corinthians ou Cruzeiro ou Bahia etc. começa a equivaler a filiação religiosa Católica, Luterana, Espírita, Umbandista, Judia, Muçulmana, Budista etc., ou seja, a uma adesão a crenças sobre a vida e a “pós-vida” (e “pré-vida”), ou seja, a eternidade, podemos estar gerando uma adesão sectária, “fundamentalista” a uma “igreja” (brigas, guerras de torcida talvez sejam indicadores do lado perverso deste tipo de identificação intensa); no mínimo, estamos num caminho obscuro, quando o futebol e o time para quem torcemos toma uma importância, uma proporção imensa em nossas vidas, inclusive naquilo que dá sentido ou um sentido que se perpetua, ou seja, o transcendental – o que transcende a nossa “existência terrena”.

16 de ago. de 2013

Sobre a Femen - feminismo de peito aberto (e um pouco sobre Lisabeth Salander)



Acho a Femen um movimento muito corajoso e no espírito dos novos tempos – um novo feminismo para uma nova mulher, cansada do patriarcalismo repressor e do mais descarado moralismo de cuecas (também conhecido como hipocrisia deslavada). Esse escândalo porque as mulheres mostram os seios... Pô! Qual a razão? Pois o símbolo da revolução francesa e da própria democracia não é uma mulher assim, “com os peitos de fora”, empunhando um bandeira ou algo assim, num quadro pintado (por Delacroix) no século retrasado?? Além do mais, por que não escandaliza os homens circularem sem camisa, mostrando os seus “tites”? Santa cretinice, minha gente!

(Na ilustração de divulgação acima, uma mobilização da Femen.)


Li numa reportagem no G1 uma definição da Femen, mobilização surgida na Ucrânia e com sede mundial na França e núcleos pelo mundo:

“Feministas [que] costumam fazer protestos aparecendo seminuas e com os corpos pintados, promovendo ações em todo o mundo para denunciar principalmente o sexismo e as descriminações sofridas pelas mulheres. O grupo também manifesta contra a homofobia, a relação entre o Estado e a Igreja, os regimes autoritários e fraudes eleitorais, geralmente com suas integrantes fazendo topless.”

***A ação feminista da Femen me lembra a personagem da trilogia literária e cinematográfica "Milenniun", a jovem punk Lisbeth Salander. Li pequena partes da trilogia e assisti a adaptação para filme do volume "Os homens que não amavam as mulheres" - tanto a sueca como a holiwoodiana. Muita coisa interessante. Começando, justamente, pela reação nada passiva de Lisabeth aos abusos e ao estupro. Não está mais do que na hora de sair do choro, da lamentação e afrontar na cara essa masculinidade idiota, troglodita? E é isso que a moça - inteligente, ágil, forte e independente - faz! FAZ! Posso não concordar com sangueiras coreografadas, mas fica a mensagem da reação.

Outra coisa que me chamou a atenção é a criminalidade de colarinho branco e a relação histórica da Suécia com o nazismo, além dos ódios e comportamentos doentios fermentados por debaixo da pequena camada de gelo sólido das aparência em famílias bem postas, bem abonadas, bem educadas na civilizadíssima Europa do Norte.

Sobre o autor da trilogia, a editora Comphania das Letras divulga o seguinte, que vem bem a propóito:

"Stieg Larsson (1954-2004) foi fundador e editor-chefe da revista sueca Expo, que denuncia grupos neofascistas e racistas. Especialista na atuação das organizações de extrema direita em seu país, é coautor de Extremhögern, livro no qual põe o assunto em evidência."