*Mais comentários que elaborei para o debate com meus amigos ligados em ufologia e assuntos correlatos...
Mesmo que isso não seja algo que inviabilize estudos sérios no campo da ufologia – e, pelo contrário, signifique uma interessante linha de investigação para ufólogos –, o meio ufologista está repleto de fabulações. Os relatos extraordinários abundam e, na verdade, acabam por ser uma das características fundamentais daquela que pretende ser a “ciência dos ufos”.
Encontrei subsídios muito úteis para pensar a questão na abordagem feita pela historiadora brasileira Mary Del Priore, professora na Universidade de São Paulo, em seu livro Esquecidos por Deus: monstros do mundo europeu e ibero-americano: uma história dos monstros de Velho e do Novo Mundo (séculos século XVI -XVIII), publicado pela Companhia das Letras em 2000.
Ela diz que, ao vasculhar a produção historiográfica de 200 anos sobre o tema, conseguiu “Resgatar do fundo cultural europeu do século XVI ao XVIII, algumas estruturas mentais por meio das quais se concebiam os monstros e sua diferença.” Del Priore assinala que “‘O possível não se distinguia do impossível’. Os cronistas e viajantes afirmavam, mão sobre o coração, ser verdade o que diziam. Em nome de sua experiência pessoal? Raramente. Com freqüência, em nome da experiência de outrem, de alguém digno de fé, de quem se ouvira falar uma história ‘de verdade’ sobre monstros e monstrengos.”
Tantos relatos resultaram em um consenso geral e sólido, que só foi solapado pela afirmação e investigação “fundada na observação e na experiência”, o que configurou (e configura) a metodologia científica clássica, não mais “confiando” em narrações de “arrepiar o cabelo” – tão prazerosas, tão anunciadoras do empolgante “fora do comum”, mas carentes de sustentação além do “juro que vi” ou “me disseram que enxergaram com os próprios olhos” etc.
Ainda na introdução do seu livro, a historiadora anuncia, quase poeticamente: “Passeio por um universo insólito e ao mesmo tempo cotidiano, passeio pelas ‘marcas de nossos medos’, essa história dos monstros se esforça por penetrar e descobrir no espírito do passado o porquê do imaginário ser tão importante, tão digno de interesse e de poder quanto o visível.” E esta aí, também, um aspecto do respeito que devemos ter em relação aos relatos “ufológicos”, que todos os dias escutamos novos.
IMAGENS – No bestiário, livro com relações de monstros e afins, de Marcotelius, abade e filho de "Felipe, o Bom", príncipe francês nascido em 1396, havia a descrição, com ilustração, de um ser que tem conformações que se assemelham a de gravuras de extraterrestres contemporâneos. Trata-se do "cardeal do mar" (veja acima a reprodução da ilustração) que Del Priory descreve como "imenso peixe dotado de cabeça humana coroada por uma mitra que, segundo uma história relatada por Petrorius, teria aparecido em 1433 no litoral da Polônia. Depois de ter entretido bispos locais, com os quais se comunicara por gestos, abençoou a todos, desaparecendo a seguir num sonoro e elegante mergulho."
Ufologistas poderiam dizer que "está aí mais uma confirmação da existência de seres extraterrestre desde séculos passados". Mas outra argumentação poderá argumentar que os ETs são uma continuidade do atávico motor humano a fabricar suas fabulações, imprimindo nelas seus temores, expectativas, referências culturais e a vontade de emocionar-se com o transcendental, o não-ordinário, o incomum.
Eis o que me parece indicar o texto da professora da USP: Manter-se atento, não descartando, mas também não endossando imediatamente os relatos alheios – ou, mesmo, as nossas próprias visões!
FINALIZANDO – No capítulo de conclusão, a autora lança uma síntese, que também pode servir para as “histórias de ETs”, nos remetendo ainda a mais estudos: “Há nessa trajetória uma quase universalidade de imaginação sobre os monstros em todas as sociedades, do passado e do presente. O que leva a pensar que eles [os monstros ou ETs] têm, aí, um papel importante; os homens, todos eles, obrigam-se a construir mentalmente algo que lhes dê medo. E o medo pode ter suas fontes na religião, na ciência ou na política.”
Iuri J. Azeredo
Algumas outras citações que anotei do livro da Del Priory:
“O domínio do imaginário é constituído pelo conjunto de representações que transbordam do limite imposto pelas constatações da experiência e do encadeamento dedutivo que estas autorizam.”
“[Aquilo que é comum nos humanos:] a curiosidade de longínquos horizontes no espaço e no tempo, terras e mares nunca dantes vistos, angústia inspirada pelo desconhecimento do futuro, em seres extraordinários, atenção aos sonhos.”
“O imaginário [...] servia como contrapeso à regularidade e à banalidade do cotidiano.”
***O texto postado na lista do MGU gerou comentário. Aproveitei para reafirmar o meu ponto de vista. Colo abaixo esta minha “réplica” – com mínimas modificações:
Enviada: terça-feira, 2 de fevereiro de 2010
Para: MGU
Olá, colega!
Agradeço a tua atenção.
Falamos, sim, no Conexão Ufo (programa na Rádio Comunitária de Santa Cruz do Sul) de duas semanas atrás (janeiro 2009), sobre o assunto. Não estava na "pauta", mas surgiu entre as clipagens que eu costumo trazer ao programa, que muitas vezes "rende" um bom debate ou bate-papo.
No texto que rascunhei e passei à lista, tento ligar uma perspectiva sobre "monstros" do século XVI-XVIII, construída pela historiadora Mary Del Priore, para analisarmos os relatos de ETs. Acredito que pode haver, em comum, uma série de componentes sócio-culturais e psicológicos envolvidos.
Acho, sinceramente, que a "vontade de acreditar" (ou o "I Want to believe", subtítulo mui explicativo do último filme Arquivo X) impulsiona ou "contamina" muitos de nós, e aí, não raro, acabamos endossando narrações que não passam de fantasias ou crendices em novas roupagens (prateadas ou verdes... hehe!). Nem por isso, devem ser desrespeitadas, desconsideradas, mas, entretanto, vistas com cautela e também sob um olhar, digamos assim, sociológico ou psicossocial – e sem, muito menos, em princípio, desmerecer as pessoas que trazem tais histórias.
Fora isso, há sempre alguém que gosta de chamar a atenção e então "inventa" algum caso "fantástico". Olha o acontecido, fora da ufologia, com aquela mulher que disse ter vivido um drama durante o “11 de setembro”, perdendo o noivo e blablablá lá nas torres! Também comentamos esse “episódio” no programa, fazendo um "link" com narrações completamente ficcionais e, não raro – o que é pior ainda -, flagrantemente inverídicas, pra não dizer mentirosas, com fins mais ou menos escusos, levando gente respeitável a cair no ridículo...
Aquele abraço!
Iuri
***Ainda envolvendo o debate sobre “monstros & ETs”, segue-se outra mensagem...
Em 5 de fevereiro de 2010, Iuri Azeredo escreveu:
Queridos colegas,
Sobre esses avisos envolvendo Ashtar Sheran...
Pois é... Mandei pra vocês dias atrás um rascunho de um comentário meu com o título “Serão os ETs de hoje a versão dos monstros do século XVI???”. E toda esta preparação para um iminente contato dramático para a salvação do planeta e da humanidade decadente me parece entrar nas fabulações similares às referidas e estudadas pela historiadora Mary Del Priore... Além do “apocalipsismo”, que nos acomete constantemente desde não sei quando, sendo adiado sempre e sempre, mas mantendo o seu vigor, vide as previsões para 2012.
Também está aí, nesses informes e recomendações pomposas, marciais, militarescas até (“comando...", "confederação de mundos...", "tropas dos quadrantes...", "Comandante em Chefe..." etc.), um aspecto messiânico conformador (ou deformador?) da ufologia, que lhe tira, de uma maneira radical, absoluta, do campo científico – mesmo quando falamos de física quântica ou da biologia dos campos morfogenéticos, entre outras linhas pautadas em paradigmas mais abertos, digamos assim. Estamos no campo da religiosidade, da estruturação de seitas “ufologistas” – que, em si, como me referi sobre narrações sobre ETs, merecem toda a atenção do ufólogo, mas não como um engajado ou “crente”. Acho que a postura deveria ser de um estudioso criterioso, que mantém um distanciamento básico, que permita uma abordagem/análise com menos “vícios”.
Abraços!
*Vendo uma ilustração de Ashtar Sheran, comentei com o Rafa que a figura me lembrava o David Bowie em sua melhor forma. Um humano “modelo de beleza”, loiro, forte, alto, olhar inteligente e compassivo, também similar a algumas representações de Jesus – outra referência que se cruza neste “culto ashtariano” e reforça ainda mais os elementos de religiosidade messiânica do caso.
**Ademais, falando em pop, a mencionada pomposidade em designações grandiloquentes como "Comando Ashtar", "Conferderação de Mundos Livres" etc., aludem direto a sagas cinematográficas como Guerra nas Estrelas. O imaginário nesta "cruzada new age espacial" parece não ter nada de muito original...
***Última mensagem envolvendo o assunto:
Enviada: domingo, 7 de fevereiro de 2010
Para: MGU
Prezados colegas,
Agradeço a atenção e deferência dos amigos.
Sim, podem ter certeza de que é com respeito e sincero interesse que me move a debater e externar minhas opiniões sobre temas como Ashtar Sheran e correlatos. Mas não consigo evitar de também tratar com uma certa zombaria, derivada do meu lado cético e pouco afeito a tantas evidências de dubiedades e fraqueza de sustentação –, além da boa vontade ou fé no que é dito.
Aliás, agradeço a vinda da mensagem, porque me provocou a busca de mais informações sobre algo que conhecia alguns poucos fragmentos. Nem suspeitava, por exemplo, que toda esta mobilização no Brasil, que tem a figura de Asthar como centro, desencadeou-se na Bahia, através de um médium Paulo Fernandes, que diz ter estabelecido contato com o “Comandante das Frotas Intergaláticas” e escreveu um relato - “O jovem que se encontrava com extraterrestres” -, fundando, em 1973, o “Ceeas”, Centro de Estudos Exobiológicos Asthar Sheran.
Também não sabia que, antes disso (22 anos), em 1947, houve, na Califórnia, EUA, também a partir de acontecimentos semelhantes (ou semelhantes foram os que aconteceram posteriormente no Brasil...), o surgimento de toda uma organização baseada em supostas mensagens de Asthar, na ocasião intermediadas por um piloto de avião, Van Tassel, e que também fundou um movimento a partir de “orientações” de Asthar.
Aqui e lá, se sucederam “mensageiros” do “comandante em chefe”. (Repito: “ele” vem em paz, mas suas denominações estão ligadas diretamente à guerra, ao belicismo, ao militarismo, por detrás de um discurso “amoroso”, compassivo, como, aliás, acontece em relação à figura de Jesus – em nome do qual já se matou tanta gente neste planeta em cruzadas sanguinolentas –, figura mítica, o Cristo, com a qual Ashtar se “mistura” e até confunde-se...)
Enfim, tudo aí parece remeter a estruturações religioso-messiânicas. E, em específico, remetem a tantas outras proto-seitas ufologistas mais ou menos apocalípticas, caso da recentemente implodida mobilização em torno da figura ficcional (todas as indicações levam a isso) chamada Jan Val Ellan – que, acho eu, não por acaso rima com Ashtar Sheran.
Abraços!
Iuri