6 de mai. de 2011

Invisibilização


No começo de abril, ao ler uma crônica em ZH da escritora Letícia Wierzchowski – que se notabilizou pela obra A Casa das Sete Mulheres, adaptada para a TV (Globo) na forma de uma mini-série –, resolvi enviar um e-mail a ela (uma pequena mensagem), que vai colado aqui mais abaixo.

Poucos dias depois, Letícia me respondeu, agradecendo as considerações e reconhecente que cometeu um lapso, que em outro momento pretende minimizar.

Ela foi muito gentil, mas estava um tanto chocada com a reação furiosa de outras manifestações recebidas pelo mesmo trecho que me ative.

Eu entendo a crítica indignada, que se manifesta com veemência, beirando a agressão ou/e histerismo. Mas, na minha (parca) experiência, não é algo que parece ter um efeito positivo frequente. Pelo contrário: pode reforçar na “pessoa-alvo” certas convicções que queremos criticar. A serenidade e o não-pedantismo quase sempre são os melhores caminhos para expor nosso ponto de vista, argumentar, questionar e, com isso, causar uma reflexão e, “quiça”, uma mudança de postura do nosso interlocutor.


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Em 04/04/2011, 16:32, Iuri João Azeredo escreveu:


Prezada Letícia,

Leio esporadicamente tuas crônicas em ZH. Gosto muito. E aproveito para te dar os meus parabéns por tua carreira e trabalhos tão prestigiados.

Algo que me chamou a atenção – um “detalhe” – na crônica “Dirigindo em Porto Alegre”, publicada em 31/03/2011. Foi a tua frase “Nós, descendente daqueles alemães, judeus, italianos, poloneses e portugueses que aqui, às margens deste estuário que gostamos de chamar carinhosamente de rio, fincaram pé e ergueram uma metrópole”.

Todos brancos... E os afro-descendentes? Mesmo presentes desde os primórdios da região, como trabalhadores escravizados e aquilombados, não ajudaram a construir nossa capital do Estado? Por que não mencioná-los?

Não só na tua crônica, mas, no geral, existe um processo de “invisibilização” da população negra no Brasil e, especialmente, no RS. Situação às vezes rompida “a ferro e fogo” pelo ativismo afro e dedicação de estudiosos, que se propõe a não conceber os afro-descendentes apenas como coadjuvantes, subalternos, marginais no processo de constituição do Rio Grande do Sul, da sua população.

Mencionas, por exemplo, com justiça, os judeus – mesmo que tal grupo tenha chegado a PoA bem após os negros, que ocupavam a área do hoje Bairro Bom Fim desde meados do século XIX.

Não quero soar “moralizante”, mas apenas observar que, em minha opinião, colaboramos para a marginalização de um povo, de uma etnia, pelo simples fato de “esquecê-la” ou ignorá-la, mesmo que de forma não intencional.

Claro que há outros povos não mencionados na tua “lista” na crônica – os povos indígenas, para falar nos nativos; os belgas, para voltar a falar de europeus, etc. De qualquer modo, fica aqui o meu registro.

Agradeço a tua atenção e desejo tudo de bom.

Iuri Azeredo – Santa Cruz do Sul

Um comentário:

Vladi disse...

Essa reinveção do início da história oficial, que se criou a partir da última imigração européia é um equívoco que ofende a memória e as culturas que existiram antes e coexistem até hoje. No caso da articulista, creio que foi uma babada, pois ela bem sabe que antes haviam nativos em suas diversas gerações précolombianas, depois os portugueses e, bem depois, as imigrações planejadas. Pra quem crê que foi só o Brasil quem ganhou com os retirantes europeus, faça uma visita ao Museu da Imigração de SP. Não foram só flores, mas vir pra cá, muitos iludidos pelos agentes do NeoEldorado, mudou a vida dessas pessoas e salvou a Europa de um colapso também. Foi um dos muitos capítulos da nossa história como nação e não o único que valeu.