23 de mai. de 2011

Casamento gay e castidade


Em nota da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), saída em 13 de maio último, repudiando a aprovação do Supremo Tribunal Federal (STF) à união estável entre homossexuais, é dito que “A diferença sexual é originária e não mero produto de uma opção cultural”.

Também pode ser dito que o celibato não é natural, posto que o exercício da sexualidade é um impulso inerente ao ser humano, constituindo-o; está em sua origem, não revogável e cuja repressão pode acarretar comportamentos socialmente execráveis, aberrantes, patológicos, caso da pedofilia. Ou, o que é bem menos grave, há um outro possível subproduto dessa “economia sexual artificial”: o afloramento de relações sexuais – homo ou heterossexuais – clandestinas, marginais, contando com a complacência de vigilâncias institucionais, incapazes de frear de todo “o que Deus deu aos humanos”: o corpo e a energia que os levam a busca satisfação sexual.

O celibato é uma opção cultural (“não natural”) tanto quanto o é a união homoafetiva – assim como qualquer tipo de casamento é algo culturalmente instituído, e não "da natureza". Invocar a autoridade das palavras bíblicas também é um ato puramente cultural – começando por exigir a compreensão de uma língua e a manipulação de formas de registros puramente humanos (pergaminhos ou livros, por exemplo). De modo amplo, se poderia dizer que “Deus é cultura”. Nós o inventamos e o inventamos de inúmeras formas ao longo da história da humanidade (nem por isso acaba-se o mistério profundo da existência e as possibilidades que transcendem o "racional").

A monogamia, ou melhor, o casamento monogâmico, também seria uma estrutura “natural”, “um princípio fundamental do Direito Natural”, conforme a nota da CNBB (para mim, eivada de posições fundamentalistas, abrandadas, agora, por uma “tolerância” à homossexuais; um “respeito” aos homossexuais). Mesmo que a própria Bíblia tenha inúmeras referências à poligamia, caso a dos patriarcas bíblicos, sem contar os múltiplos estudos antropológicos e de história, demonstrando a diversidade de configurações familiares para além do “modelo” monogâmico “papai, mamãe e filhinhos” – um arranjo relativamente recente, aliás, ligado à constituição do Estado, da propriedade privada, do capitalismo contemporâneo, conforme nos apresentou Engels (ilustração acima - Frederich era o primeiro nome do barbudo) no antológico “A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado”, publicado em 1884. Mesmo com isso tudo – ao arrepio de todas indicações e limites da família monogâmica no passado e na contemporaneidade (onde coexistem diversos arranjos familiares em que as crianças se desenvolvem) –, insiste-se que tal instituição socialmente construída corresponderia “a eternos desígnios de Deus”...


*No “Prefácio à quarta edição” de “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, datada de 1891, Engels fala dessa conceituação fundantalista (fundada em escritos religiosos, ou seja, na Bíblia, coletânea literária tida como inquestionável) sobre família, como se fosse um entidade "natural" e “ahistórica”:


“Até o início da década de sessenta [1860], não se poderia sequer pensar numa história da família. As ciências históricas ainda se encontravam, nesse domínio, sob a influência dos Cinco Livros de Moisés. A forma patriarcal da família, pintada nesses cinco livros com maior riqueza de minúcias do que em qualquer outro lugar, não somente era admitida, sem reservas, como a mais antiga, como também se identificava – exceptuado-se a poligamia – com a família burguesa de hoje [1891], de modo que era como se a família não tivesse evolução alguma através da história.”


**Friederich Engels (1820-1895), intelectual alemão da mais alta importância mundial, escreveu um volume muito importante de obras – individualmente e em dupla com seu grande companheiro de pensamento e luta, Karl Marx (chegando a eclipsar-se no esforço de projetar a obra do amigo e correligionário), além de ser seu editor até a posteridade. Mesmo que consideremos limites e contextos próprios da época, seus escritos possuem reflexões, argumentações e informações preciosas para se desenvolver uma visão ampliada da sociedade, da economia, do pensamento e da história humanas. Engels é uma daqueles pensadores-ativistas que fez muita diferença no mundo em que vivia – e ainda o faz – com uma criticidade que revolucionou o modo de compreender muitas coisas. Os insucessos e tragédias do "comunismo real" também não desabonam os esforços de escritor, polemista e militante socialista. Sim, devemos considerar uma multiplicidade de compreensões cosntruídas por pensadores que sucederam Engels na tentativa de "decifrar o mundo". Mas dentro da busca de conhecimento sobre a vida social humana, ninguém deveria deixar de "beber" - ao menos alguns goles - da biografia e bibliogradia do genial e corajoso Friederich.

Um comentário:

Anônimo disse...

Mais ou menos como disse o Millôr, "Das perversões sexuais, a mais extrema é o selibato". E são depravados desse tipo que legislam a moral em nome dos deuses dos quais, parece, têm a procuração. Ou esse deus não existe. Ou morreu de rir com as coisas que seus crentes fazem.

Vladi

PS.: Amigos que tem Blogger. A dententora do Blogger, como muitas outras, está sempre tentansdo cooptar quem visita seus Blogs. Agora, quem tenta comentar, é brindado com mais um fichário a ser preenchido p/ u$os que a gente nem imagina.