28 de set. de 2012

134 anos e muita história não contatada

Aproveitando o “aníver” do meu município neste 2012, volto a uma reflexão recorrente:

Hoje comemoram-se 134 anos de Santa Cruz do Sul. A referência é a instalação em 1878 da Câmara de Vereadores, que, na época, fazia o papel de gestora do município, dando assim autonomia à comunidade, que começou como Faxinal do João Faria, originado na sesmaria que precedeu o povoado, constituído originalmente da parentela de João Faria, trabalhadores negros e outros agregados assentados na área, ainda em disputa com grupos indígenas.

O primeiro presidente da Câmara (que poderia ser chamado de prefeito) foi o “nome de rua” Tenente Coronel Brito (José Joaquim de Brito, para ser completo), o que também é um indicador de descendência étnica de famosos da então nascente cidade. E considerando a presença de povos indígenas, de quilombos e da ocupação do território por outros sesmeiros e posseiros luso-descendentes e mestiços de toda a ordem, a “presença germânica” e de outros povos europeus (poloneses, holandeses, belgas, italianos, portugueses etc.), a partir de 1849, aconteceu bastante depois da fundação do núcleo que deu origem a Santa Cruz, demosntrando a variedade de referências étnicas e geográficas a comporem a história e sociedade santa-cruzenses (até coloônia de ceraenses tivemos por aqui).

Interessante notar que o 28 de setembro não é um feriado municipal. Ao contrário de quase todos os municípios, que fazem seus feriados locais em datas que marcam uma emancipação administrativa, o feriado municipal em Santa Cruz é em 25 de julho, data que rememora o assentamento de colonos em São Leopoldo em 1824, e que se tornou data simbólica da teuto-descendência no Rio Grande do Sul. Ou seja, temos aí, na “opção” do “25 de julho” ao “28 de setembro” como simbolismo máximo (dado pelo feriado), mais um elemento que quer reforçar um exclusivismo étnico na conformação do município, “podando” absurdamente a sua origem bem mais longa (anterior aos primeiros imigrantes assentados no loteamento rural estatal em Linha Santa Cruz), diversa e complexa.

Por que disso? Por que da invisibilização ou subalternização de outras referências étnicas? Por que se ressaltar de forma acachapante uma só descendência? Por que seriam “melhores do que outros”? Por que trabalharam mais? Ou o quê?

E qual o resultado desse exclusivismo? Como se sente, por exemplo, crianças que cantam um hino que não fala nada de seus antepassados afros, indígenas, lusos etc (somente da "bravura alemã" do "loiro imigrante")? Que tipo de integração comunitária isso produz? Não há aí espaço para um sentimento de despertencimento, de que todos que não são (ou pareçam) “alemães” são estrangeiros, justamente aqueles que alguns chamam até hoje de “brasileiros” em oposição aos “alemães” (essa denominação tão simplista)? )? Somos, então, um "município alemão", anexo ao Brasil, como desejava o pangermanismo adotado pelo governo Hitler da Alemanha, e que muitos defenderam ardorosamente por aqui? Óbvio que isso é uma bobagem, mas que ainda parece ter ecos.

Que o 28 de setembro – sem feriado – sirva para ir mais longe na história do município e do processo de monopólio étnico já tão naturalizado em Santa Cruz!


*Sobre os povos nativos, são inúmeros os sítios arqueológicos comprovando a ocupação indígena no Vale do Rio Pardo desde muito antes do apossamento da região por parte de portugueses e espanhóis. Os espanhóis, por exemplo, através de missionários, fundaram reduções jesuíticas já nos anos de 1630 por aqui, uma delas no entroncamento do Rio Pardinho com o Rio Pardo, e que foi extinta na ação do bando de preadores de escravos indígenas por parte do famigerado (antigamente "herói" paulista) bandeirante Raposo Tavares.

24 de set. de 2012

Fé farofa

Não vou nem falar sobre acreditar ou não em Deus ou ser adepto de alguma religião, igreja etc.

Vou só raciocinar a partir dos acontecimentos, onde pessoas e, até, “autoridades”, estão, mais uma milionésima vez, furiosos com, agora, um filme que estaria ofendendo a religião muçulmana...

O que acontece na cabeça das pessoas para que tomem de uma forma tão ofensiva e reajam com tanta histeria a uma suposta calúnia?

Volto a esta  pergunta que fiz em relação a determinados cristãos extremamente ofendidos com a retirada de crucifixos de lugares públicos, como as salas de júri, ou seja, salas do Estado, que no Brasil é laico desde a proclamação da república.

Mas que fé é esta que se abala com uma piada – mesmo que seja de mal gosto? Não estariam Alá e Maomé muito além de algo tão humano - provocações que se poderia dar de ombros e classificadas como tolices ou bobajada?

Desconfio que tais reações violentas de muitos adeptos demonstram que, ao invés de forte, trata-se de uma crença frágil, sempre a ponto de se desmoronar. Precisa se afirmar (a crença) com reações histéricas, de enorme violência contra aqueles que a negam, desdenham ou criticam. Assim, quando surge a oportunidade, queimam, matam, destroem, como se, com isso, demosntrassem o quanto é grande a sua fé. Similar ao cara inseguro de sua orientação sexual ("machesa"), que vive bradando a sua virilidade, e a qualquer insinuação contrária, “puxa o facão” e já sai querendo matar, bater, rebentar... Na verdade, não tem certeza (não "se garante", para usar um termo machista) e teme a si mesmo; a qualquer momento pode “dar um escorregada”....

Será que uma crença religiosa de fato vigorosa seria vilipendiada por coisas feitas por quem supomos “ignorantes”, que estão toldados para a fé? Repetindo: Alá não é maior, magnânimo? Maomé não é imune a mesquinharias de pobres mortais? Ofensas não deveriam ser tratado como travessuras de crianças? Onde estão os fundamentos da fé? Não estariam muito bem calçadas nas profundezas? Por que se abalar com marolas ou um sopro débil na superfície? Ora, parece que tal fé é postiça ou um pretexto para se exercer instintos brutais, a irracionalidade animal que todos carregamos.

17 de set. de 2012

Garrafada na cabeça

Seguido ouço dizer que “racismo é coisa que não existe mais”; “isso é uma bobagem, hoje somos todos iguais”; “não há mais preconceitos, ainda mais entre os jovens”...

Bueno, além de desconsiderar todo um avanço de células nazifascistas na Europa (inclusive Alemanha), constituídas basicamente por pessoas de 20 anos, além de todos os indicadores socioeconômicos brasileiros (colocando a população nos piores patamares de educação, posição social e qualidade de vida), além desses aspectos de indicadores técnicos e noticiários cotidianos, parece que se desconsidera atos como o ocorrido há poucas semanas (10 de agosto de 2012) aqui pertinho. Pois numa estação do Trensurb de Porto Alegre (Estação Mercado) um jovem (21 anos) se fez um desafio perante um amigo que estava nesse banheiro público: “o primeiro negro ou mendigo (olhem que correlação interessante!) que aparecer, eu vou dar uma garrafada (de uísque) na cabeça do maldito”. Dito e feito: um outro jovem, de 24 anos, negro, antes de embarcar para o trabalho, entrou no banheiro da estação e, enquanto urinava, recebeu, de costas, a garrafada na cabeça, como detalhou o jornal (Zero Hora, 11/08, p. 40).

Ou seja, um jovem porto-alegrense, nesta segunda década do século XXI, movido pelos mais tacanho preconceito social e ódio racista, agride barbaramente outra pessoa por ela identificada como negra e, portanto, passível de um tratamento aberrante, desumanizador, de inaudita e potencialmente letal violência.

E esse rapaz passou por uma escola e viveu aqui no RS – e não em Marte ou na Josnesburgo do famigerado Apartheid – o seu processo de socialização... O que aconteceu, então? Mas, mesmo assim, dizem que “o racismo não existe entre nós” e essa é “uma questão menor”... Menor para quem não leva a garrafada na cabeça por conta de sua aparência...