9 de set. de 2013

Rock brazuca e pregação


Uma canção recente, “Anjos”, do grupo O Rappa diz o seguinte:

Em algum lugar, pra relaxar
Eu vou pedir pros anjos cantarem por mim
Pra quem tem fé
A vida nunca tem fim

Já a canção “Vamos viver”, da banda Detonautas, fala assim:

Você precisa aprender a viver de verdade
Porque o que a gente vive é uma vida e nada mais!

São duas formas diferentes de encarar a existência. Uma se vincula a crença no “além” – seja em entidades sobre-humanas, processos sobrenaturais ou numa vida depois da morte corporal. A expressão “Oh! Lord” é, explicitamente, uma referência a religiosidade cristã, que reverencia um ser divino individualizado, masculino, todo poderoso (monoteísmo), o “Senhor”. Caso não se creia, “se você não tem fé”, a canção argumenta que “você sai em desvantagem”, exortando que você “Volte a brilhar” com “Um vinho, um pão e uma reza”, elementos dos rituais do catolicismo e outras igrejas...

Já os Detonautas concebem que “Talvez a gente se encontre no meio de uma confusão de pensamentos, e todos eles chegam ao mesmo tempo e nos levem ao mesmo lugar”. É um jeito de compreender a existência do ser humano. Ao invés de pedir, como na canção de O Rapa, “pros anjos cantarem”, na letra dos Detonautas a questão não é remetida ao metafísico, ao ritualístico; afirma-se a força e simplicidade do “grito primal”, da “felicidade básica” do “Vamos viver, vamos viver!”, afinal “a gente é uma vida e nada mais”; e esse é “Um mundo cheio de pressa”, “Talvez a gente possa se amar”, ao invés de ficar procurando, como propõe a composição de O Rappa, lições em “uma passagem de um livro antigo” (Bíblia? Vedas? Al Corão?) e entoando mantricamente “Oh Lord, oh Lord, oh Lord, oh Lord”...

Eu acredito que a canção d’O Rappa possa dar algum alento, como fazem todos os rituais religiosos, que dão grande esperança de proteção dentro do mundo hostil que vivemos e onde a finitude física é palpável. Mas também se configura como um instrumento de manutenção de ideias supersticiosas, fantasiosas, enganadoras, ilusórias, irracionais. Assim eu prefiro a energia do concreto proposta pela canção dos Detonautas, mesmo que se faça uma ressalva a atitudes irresponsáveis derivadas de um hedonismo simplório ou tresloucado.

*A ilustração é do filme "Fé de mais não cheira bem, produção norte-americana de 1992, com o atorSteve Martin no papel de um pregador bíblico.

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