4 de out. de 2009

Fumo: nem anjo, nem demônio


Embora se possam traçar diversos paralelos com o sorver de um vinho ou um café, hábitos conviviais, aceitos e incentivados socialmente, fumar, ao contrário, tornou-se uma prática quase sempre solitária ou realizada em restritas confrarias. Talvez estejamos diante de um (obrigatório) retorno aos antigos “clubes de apreciadores”, onde, inclusive, envergava-se o smoking – originalmente, como se sabe, uma capa (smoking jacket - ilustração ao lado) usada para os “encontros de fumantes”.

E acho que está certo este encaminhamento. O fumar implica em responsabilidades derivadas da exalação da fumaça e seus componentes potencialmente nocivos.

Particularmente, aprecio fumar – de forma esporádica, em momentos especiais, de preferência cigarros e cigarrilhas de tabaco produzidas artesanalmente, sem aspirar a fumaça até os pulmões (“tragar”), aproveitando o efeito estimulante da nicotina de uma forma branda e buscando, muito mais, usufruir dos sabores e aromas da queima das folhas, permitindo, além disso, que o corpo tenha melhor capacidade de se auto-desintoxicar.

Entretanto, sou favorável às advertências, restrições, taxações e proibições sobre o consumo do tabaco, desde que não tolha a liberdade e direito alheios (que presupõe deveres). Nenhuma pessoa, em especial crianças e adolescentes, deve ser submetida a ambientes com gente fumando – públicos ou privados, mesmo em família. Também não deveria haver estímulo algum – e o banimento da propaganda em rádio e TVs abertas e em revistas, jornais e sites voltados ao público em geral são formas acertadas para evitar o consumo precoce. Isso porque, como vários outros produtos com elementos que podem levar à dependência química, fumar tabaco é uma decisão que só pode ser tomada – se for o caso – na adultez, ou seja, de posse do pleno equilíbrio e maturidade psicológicos e físicos.

Outra questão: tenho como lamentável a compulsão ao fumo. Não é trágico que uma prática derivada do uso medicinal e religioso de povos indígenas venha a se tornar um flagelo pessoal e social? Parece-me muito triste uma planta enteógena, xamãnica, banalizar-se tanto e perverter-se pelo “vício”, pelo hábito descontrolado e sujeição do usuário, levando-o a deterioração da saúde e conseqüentes prejuízos à comunidade – por acarretar a necessidade de remédios, tratamentos, hospitalização e seguros por invalidez financiados com recursos públicos.

A mesma situação em relação ao álcool, o psicoativo talvez mais antigo, tradicional e globalizado que existe. Pois uma coisa é beber um cálice de algum bom cabernet sauvignon de maneira eventual. Outra é tornar-se um alcoolista.

Não há sempre uma relação direta entre beber e ser um “bêbado”. Nem fumar e ser uma “tabagista”. Mas riscos sempre haverá e alguns terão que se abster por sua compleição corporal ou/e inclinação psicofísica drogadicta. Parece-me que cada indivíduo deve construir os seus limites através de muita informação e auto-análise, enfim, muita consciência.

Consideradas essas “premissas”, vencidos esses “poréns”, fumar pode ser um prazer, uma grande satisfação. Na ritualística da combustão das folhas desta bela solanácea (uma planta também considerada ornamental), os apreciadores vêm desencadear-se um processo que leva ao deleite estético, aromático e gustativo únicos.

Vários com certeza se horrorizarão das minhas opiniões. Existe mesmo uma “satanização” do fumo – que, como no caso de outros produtos, não tem levado a resultados práticos e, me parece, até colaboram para a expansão de consumos perniciosos.

Fumar com parcimônia – assim como beber com parcimônia (para mantemo-nos na comparação já feita) – são práticas que adultos podem (ou não) incorporar em suas vidas como fontes de auto-gratificação; sempre realizadas com a devida responsabilidade, porque o tabaco, assim como o álcool, não são inofensivos, angelicais. Mas também não são demônios implacáveis.

“Nem tanto ao céu, nem tanto à terra” parece um conselho sábio para não cairmos em radicalismos estagnantes. Sem considerar o colapso econômico em várias regiões que acarretaria (e não considerando neste momento questões como exploração de mão de obra e uso intensivo de agrotóxicos na fumicultura), a extinção do consumo de um vegetal milenar é praticamente impossível, desnecessário, ineficaz. Há, sim, meios de diminuirmos prejuízos coletivos, preservando liberdades.

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