O livro “Religião para ateus” do Alain de Botton me abriu para novas considerações, enquanto me subsidiou para coisas que eu já pensava.
O feriado dos finados. Uma data que, aqui, tem um teor religioso e, mesmo, mórbido – ou ao menos de tristeza opressiva. Além disso, foca-se, para cada um, nas pessoas que conviveram mais diretamente conosco: os nossos parentes mortos, especialmente.
Sei que há lugares onde o que existe é um “Festa dos Mortos”, com quitutes e farto consumo de bebidas e até bailes. Ou seja, paradoxalmente, há um extravasamento da vida, da alegria, da mundanidade em homenagem aos mortos...
Lembro que, quando piá, íamos, pai, mãe, irmão, avó e demais parentela para o cemitério de Ponte Queimada, onde, estava (e está) enterrado o meu avô materno e outros ex-chegados da família da minha mãe. Um caminhão de bebidas ficava estacionado à sombra de grandes plátanos em frente ao muro de pedras do cemitério e, se a minha memória não me prega peças, havia churrasqueiras onde se preparavam carnes para o almoço. Quer dizer, havia um caráter festivo, de diversão (ao menos para as crianças), de encontro comunitário – entre vivos! – naquela visita aos túmulos, quando se aproveitava para lavar, reenfeitar e até fazer reformas das lápides e jazigos – além de orar pelas almas dos falecidos, claro.
Mas o que hoje me parece ficar patente é a contrição um tanto quanto depressiva, além de ser cada vez mais formalidades anuais mais ou menos “obrigatórias”, sem uma adesão coletiva de familiares, “sobrando” para os mais antigos a reverência aos já definitivamente antepassados.
Max Weber tem o conceito de “desencantamento do mundo”, que é, para mim - mesmo não sendo isso que o sociólogo alemão eseteja se referindo diretamente -, a explicação para o afastamento dos cemitérios da gerações como a minha, formadas por uma mentalidade científica já consolidada, desacreditada no sobrenatural em qualquer sentido. Não há magia, não há fadas, duendes, anjos, fatasmas, espíritos, almas que se reencarnam - a não ser como algum tipo de alegoria ou mito explicativo, lenda, supertições tão populares quanto falsas, quando não enganadoras, alienantes, limitantes do potencial humano de compreensão.
Entretanto, não seria bacana reformar isso, pegando carona no que propõe o Botton? (“Santa utopia, meu caro”, já vejo dizendo-me!) O Finados, o Dia dos Mortos poderia ser uma Comemoração aos Antepassados (ou um nome que “pegasse” melhor).
Seria um dia de reverenciar a memória não só de parentes e amigos, que já não têm existência física e que, independente de crença religiosa, continua a existir em nossas memórias. Ou aqueles/as que se notabilizaram e ficaram registrados por feitos – livros, relatos, inventos – essa infinidade de gente que construiu os povos, a humanidade no que ela tem de mais bacana. (Assim é que energúmenos, caso de abomináveis ensandecidos “hitlers”, deixaríamos para uma data de pranto, mesmo!)
Seria uma data de reconhecimento, agradecimento e estímulo a uma “vida significativa”, voltada para as coisas coletivas.
Os egoístas e os maldosos, com certeza, não teriam vez nesta “festa”. Como eu disse, poderia haver uma data para lamentá-los fervorosamente – para que também não esqueçamos que, assim como há pessoas queridíssima, gênios e heróis, há muitos mesquinhos, vilões, violentos torturadores, sanguinários e outras classificações para pequenos e grandes desgraçados da humanidade.
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