“Este livro, então, é para os que concordam que o único significado da vida com o qual vale a penas se preocupar é aquele capaz de suportar nossos esforços para examiná-lo. Os outros podem fechar o livro agora e sair de mansinho.”
O livro, no caso, não é exatamente “A Origem das Espécies”, de Charles Darwin, mas tem tudo a ver, e serviria muito bem como uma de apresentação para a obra-prima do naturalista britânico. O trecho acima está em “A Perigosa Ideia de Darwin – A Evolução e os Significados da Vida” (Rocco, 1998), do filósofo Daniel Dennett. Uma dos livros de apoio que pode enriquecer o debate sobre, sem exagero, a obra mais impactante – e ainda impactando enormemente – a existência dos seres humanos no planeta.
No mesmo “Capítulo Um – Diga-me Por Quê”**, Dennett avalia:
“Sempre que se fala de darwinismo a temperatura sobe, porque há muito mais em jogo do que simplesmente fatos empíricos sobre a evolução da vida na Terra, ou a lógica correta da teoria que explica esses fatos. Uma das coisas mais preciosas que está em risco é a visão do que significa perguntar, e responde à questão, ‘por quê’? A nova perspectiva de Darwin subverte várias hipóteses tradicionais, abalando nossas ideias-padrão sobre o que deveria valer como resposta satisfatória para essa antiga e inevitável pergunta.”
O filósofo alerta para os cuidados na análise, evitando tropeços comuns entre “fãs exaltados” e “críticos sectários”: “Nossa análise exigirá um bocado de coragem. Sentimentos poderão ser magoados”. Por isso, não façamos como alguns: “Os tolos correm (...) onde até os anjos têm medo de pisar.”
*A abordagem de Dennett é impressionante pela agudeza e extensão, tanto quanto o estímulo que pode nos dar – ao contrário do que alguns possam avaliar sobre um pensamento que, ao mesmo tempo que “não deixa pedra sobre pedra”, oferece um vigor, um gosto e uma perspectiva para a vida tão ou mais estimulantes que outras elucubrações, com as da religião tradicional ou formas derivadas (“tipo new age”). “Não seria uma vergonha perder a oportunidade de ver um credo mais forte, mais renovado, estabelecendo-se no lugar de um fé frágil, doentia, que você por engano supôs que não deveria ser perturbada?”, pergunta Dennett.
** “Diga-me por quê” (“Tell me why...”) se refere a uma canção antiga norte-americana que Dennet diz nutrir uma afeto, achando-a belíssima, lembrando-lhe dos acampamentos escolares na sua infância. Obviamente que a resposta (“Because God made...”) já não pode ser dita com naturalidade para quem, mesmo não correndo feito tolo, arrisca-se a encarar a existência sem se achar superior aos companheiros animais, plantas e, num todo, ao Planeta que habita, constitui e constitui-se. Abaixo, a letra em inglês da canção (está na página 17 de “A Perigosa Ideia...”):
Tell me why
Tell me why the stars do shine
Tell me why the ivy twines
Tell me why the sky's so blue
And then I'll tell you just why I love you
Because God made the stars to shine
Because God made the ivy twine
Because God made the sky's so blue
Because God made you, that's why I love you
***Na imagem acima, o quadro "A Encantadora de Serpentes", de 1907, do pintor francês Henri Rosseau. É a ilustração de capa do livro de Dennett na edição original (em inglês), como na brasileira.
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