Sou simpático a uma alimentação vegetariana, assim como todo tratamento que evite a exploração e dor aos animais, humanos e todos os demais. Já fui muito restrito, adotando a dieta macrobiótica e ovolactovegetariana, mas desde algum tempo estou reconsiderando muitas coisas (e depois de criar uma filha numa dieta vegetariana até a adolescência). Tenho vários amigos e conhecidos adeptos do vegetarianismo, veganos, inclusive. Isso não os torna – nem me tornou – “pessoas melhores”. Nem piores. Agora, é inescapável: todas as evidências e pesquisas científicas apontam para a nossa condição de primatas omnívoros, onde o consumo de carne nos constituiu biologicamente e, até, em termos de sociabilidade, derivada da condição de caçadores (e coletores) coletivos por milênios e milênios de existência. Um livro muito bom, que traz muitas pinceladas sobre isso, é “Eu, primata - Por que somos como somos”, de Frans de Waal; há também o
best-seller “O macaco nu”, do zoólogo britânico Desmond Morris, outra obra não-acadêmica, mas cheia de uma perspectiva que compreende o ser humano como ele é, um animal. Aliás, anotei uma citação de outro livro de Desmond, que é a seguinte (já postada neste blog, aliás):
“Acima de tudo, deve-se salientar que não há nada de insultante em olhar as pessoas como animais. Afinal de contas, SOMOS animais. O Homo sapiens é uma espécie de primata, um fenômeno biológico dominado por regras biológicas, como qualquer outra espécie. A natureza humana não é mais do que um tipo particular de natureza animal. De acordo, a espécie humana é um animal extraordinário; mas todas as outras espécies também são animais extraordinários, cada uma à sua maneira, e o observador científico de homens poderá trazer muitas revelações novas ao estudo dos assuntos humanos se conseguir conservar essa atitude básica de humildade evolucionária.” (Trata-se do parágrafo final da introdução de “Manwatching – A field guide to human behaviour” [traduzido no Brasil como “Você – Um estudo objetivo do comportamento humano” ”, editora Círculo do Livro S.A., São Paulo, 1977].)
Esse comentário surgiu a partir de um texto publicado no blog da professora e pesquisadora Suzana Herculano-Houzel, neuroc, já, aqui, com o devido agradecimento). Não vi nada de ofensivo no texto. Achei-o lúcido, respeitoso, ponderado, solicitando prudência, com um toque coloquial, pessoal, que alguns acham “inadequado” para uma cientista. Me chocaram as reações furibundas, próximas do sectarismo. E aí sempre me vem a questão: Quanta gente já foi cuspida na cara ou morta em nome do “amor”, não é mesmo?
Sobre argumentos (nos comentários ao texto no suparcitado blog) que relacionam de modo direto “consumo de carne e incidência câncer”, em especial no RS, me parece temerário se fazer tal correlação simplificada (simplista?). No mínimo, aqui no sul do Brasil (e também os “gauchos” da Argentina e Uruguai, com hábitos assemelhados), teria de se considerar outros fatores, como o também altíssimo e generalizado consumo de chimarrão, beberagem de erva-mate (Ilex paraguariensis), servida em porongos (cabaças cortadas, que são as cuias) com água quase em ponto de fervura, acondicionados em garrafas térmicas com mangueiras e biqueiras de plástico; a infusão é sorvida por um canudo (bomba), normalmente de alumínio, que é compartilhado em uma roda, passando-se a cuia de mão em mão (e a bomba de boca em boca).
Não há como discordar: as afirmações devem ter embasamento. Eu citei dois zoólogos para dar uma referência sobre o que eu ando pensando hoje sobre alimentação humana. Um deles, Franz de Wall, há décadas é um pesquisador destacado, dá aulas na Universidade Emory e coordena trabalhos no Centro Nacional Yerkes de Pesquisa sobre Primatas em Atlanta, EUA.
A coisa desanda, me parece, quando ideólogos do vegetarianismo começam a usar uma retórica “demonizante” de quem não é adepto à restrição alimentar vegetariana. Um desses militantes mencionou a "predileção por sangue", equiparando, assim, quem come carne a vampiros, no estilo sombrio e maligno do Conde Drácula... Na verdade, para começar, há um engano aí, já que se costuma ingerir várias (ou todas, direta ou indiretamente) as partes dos animais abatidos (tripas, miolos, tutano etc.).
Os originais esquimós, por exemplo, povos nativos do profundo Polo Norte, se alimentavam praticamente só de animais – até pela ausência de plantas naquela região de frio intenso; aproveitavam TUDO da caça: vísceras, músculos, ossos, pele e, claro, o precioso sangue do espécime abatido (tomado ainda quente, logo após o sacrifício). E essa gente sobrevive há milênios e são tidos como povos muito saudáveis, engenhosos e sábios, além de extremamente espiritualizados. Sua desgraça foi a aproximação com o “homem branco”, contato que que acabou pervertendo vários dos seus costumes ancestrais, inclusive com a introdução da alimentação – vejam só! – de origem vegetal, como cereais, açúcar, batatas, frutas... Um relato interessante sobre isso, baseado em estudos antropológicos, é o emocionante romance “No país das sobras longas”, de Hans Ruesch – uma outra dica que deixo (e que me foi apresentada, faz muito tempo, pelo meu saudoso amigo Mauro Grün).
Fico me perguntando: o que um vegano envangelista diria a um original esquimó? Seriam esse povos do ártico também “vampiros”, sanguinários primitivos, condenados a serem bestas quadradas por sua dieta carnívora? O que diriam aos indígenas americanos, todos incluindo animais abatidos em suas dietas ancestrais? Quem está sendo ignorante (de ignorar os estudos antropológicos, por ex.), dogmático e agressivo?
E os outros animais carnívoros? Também seriam de “baixa espiritualidade”? Um leão ou lobo é um ser “pior”, mais “cruel” e “feio” que um hipopótamo ou alce? Ah! Os humanos são animais “superiores”, então, com maiores “responsabilidades”, “consciência”, é isso? Me soa pretensioso, embora admita que, há indicações das nossas potentes interferência no ecossistema planetário e que está na hora de revertermos um processo que poderá por em risco inúmeras vidas da Terra. A alimentação mais concentrada em vegetais pode ser uma colaboração para pouparmos água, por exemplo (vi dados do alto uso de água como insumo ao desenvolvimento de bovinos para corte). Mas até mesmo para cultivar algumas alfaces é inevitável que alguma minhoca ou outro animal do solo seja sacrificado pela enxada...
Comer sempre terá um componente agressivo a outro ser. Dá para fugir desta natureza?
LINK para a postagem de Suzana Hercula-Hoezel: http://www.suzanaherculanohouzel.com/journal/2013/3/6/quer-ser-vegetariano-seja-e-seja-feliz-mas-no-fique-impondo.html
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