5 de nov. de 2013

Alimentação natural NÃO É a vegetariana


Quem vos fala é um “simpático ao vegetarianismo”, que já adotou por anos diversas linhas, incluindo a macrobiótica e antroposófica. E que não se sente confortável numa churrascaria.

Mas será difícil para alguém sustentar que a alimentação humana natural seja a vegetariana. Somos por definição animais omnívoros. Comemos de tudo. Todas as indicações etológicas, biológicas e, até, etnográficas chegam aí: o Homo sapiens, em sua longuíssima evolução entre os grandes primatas, alimentou-se de carne – em maiores ou menores proporções conforme o acesso, numa impressionante variedade de predados: insetos, répteis, moluscos, peixes, aves, mamíferos de todos os tamanhos, de pequenos roedores, passando por ursos, até mamutes, incluindo nossos “primos” símios e sem esquecer da antropofagia, nada incomum entre vários povos, situações e épocas.

E há os grupos humanos, caso dos esquimós do ártico profundo, que se alimentam praticamente só de carne – entendida aqui como todos os animais existentes em sua área de residência e utilizando todas as partes comestíveis (vísceras e seus conteúdos, sangue, massa encefálica, olhos, testículos etc), além de subprodutos como ovos. Isso acontece desde bebês, e sem cozimento algum, a não ser fermentações. E são povos perfeitamente saudáveis, tidos como “espiritualizados” e dominando tecnologias e habilidades de sobrevivência admiráveis, bastando pensarmos nos iglus, roupas e outras técnicas que permitem sobreviver em temperaturas de 40 graus Celsius abaixo de zero, onde a vegetação é raríssima e a fauna pouco abundante.

Obvio que o deslocamento e expansão dos humanos em diferentes áreas do planeta e o desenvolvimento da agricultura e pecuária fizeram surgir hábitos alimentares diferentes das primevas sociedade caçadoras-coletoras – organização que parece ter forjado a nossa estruturação física e social básicas, conforme apostam sociobiólogos e estudiosos similares, numa contra-corrente ao criacionismo de fundo bíblico e à tábula-rasa aludida pelo psicólogo Steven Pinker.

Por conta dessas considerações, acho interessante olhar com mais atenção e simpatia os adeptos da chamada “dieta palio”, ou paliodieta. Um retorno ao modo de alimentação mais atávica do humano, adotada por centenas ou, até, milhares de milênios – se contarmos nossa evolução no tronco dos primatas. Entretanto, não dá para esquecer, não existe a possibilidade de retrocedermos, já que sairmos à caça de mamutes e ursos polares está fora de questão. Além disso, dietas mais vegetarianas são mais ecologicamente sustentáveis, por implicarem em menos consumo de água, menos devastação florestal (para abertura de pastagens). E em um planeta em crise ambiental, ocupado por 7 bilhões de “consumidores”, isso faz a diferença.

Todavia, por mais admirável, por mais louvável, por mais politicamente correto que a atitude como a vegana possa ser – em termos ambientais e ética com os animais não-humanos –, mesmo assim podemos concluir que se trata de uma postura antinatural, de auto-restrição, de disciplinamento comparável ao voto de castidade, ou seja, coibir impulsos da espécie, negando (ou ao menos sublimando – na forma de um hamburguer com bife de soja, por exemplo) a sua manifestação ou satisfação; o desejo, o apetite é bloqueado ou desviado. O que pode ter consequências nem sempre boas. Um vegano talvez precise, para garantir sua plena saúde, consumir suplementos (vitaminas, proteínas sintéticas). Um celibatário talvez não consiga se furtar a sonhos eróticos e poluções noturnas...

Concebo que o animal humano é integrado indissoluvelmente ao ecossistema e a história natural da Terra, ou seja, somos seres da natureza e nossas saídas desta condição implica em artifícios, caso quando se viaja ao espaço ou ao fundo mar e necessita-se produzir uma atmosfera “portátil” e, quase sempre, precária, temporária, trabalhosa e, sempre, perigosa.

Mas tal desafio aos limites também parece ser um dote e um impulso próprio dos humanos. Temos possibilidade de transcender – até certo ponto, ao menos imposições selvagens”, digamos assim. Talvez a cultura seja um produto dessa capacidade obtida no processo evolutivo peculiar do Homo sapiens. Mas, em qualquer caso, “forçar a barra” dos “imperativos biológicos” não se faz impunemente. Ao abster-se completamente de proteína animal – seja carne ou derivados como leite e ovos e suas estruturas orgânicas – e o abandono de elementos da sociabilidade derivada dos séculos e séculos e séculos de caça e coleta, preparação da comida e sua partilha, ingressamos numa nova experiência e somos cobaias de nós mesmo, donde poderão surgir coisas bacanas, mas, também, “subprodutos” indesejáveis.

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