Quem vos fala é um “simpático ao vegetarianismo”, que já adotou por anos diversas linhas, incluindo a macrobiótica e antroposófica. E que não se sente confortável numa churrascaria.
Mas será
difícil para alguém sustentar que a alimentação humana natural seja a
vegetariana. Somos por definição animais omnívoros. Comemos de tudo. Todas as
indicações etológicas, biológicas e, até, etnográficas chegam aí: o Homo
sapiens, em sua longuíssima evolução entre os grandes primatas, alimentou-se de
carne – em maiores ou menores proporções conforme o acesso, numa impressionante
variedade de predados: insetos, répteis, moluscos, peixes, aves, mamíferos de
todos os tamanhos, de
pequenos roedores, passando por ursos, até mamutes, incluindo nossos “primos”
símios e sem esquecer da antropofagia, nada incomum entre vários povos,
situações e épocas.
E há os grupos humanos, caso dos esquimós do ártico
profundo, que se alimentam praticamente só de carne – entendida aqui como todos
os animais existentes em sua área de residência e utilizando todas as partes
comestíveis (vísceras e seus conteúdos, sangue, massa encefálica, olhos,
testículos etc), além de subprodutos como ovos. Isso acontece desde bebês, e sem
cozimento algum, a não
ser fermentações. E são povos perfeitamente saudáveis, tidos como
“espiritualizados” e dominando tecnologias e habilidades de sobrevivência
admiráveis, bastando pensarmos nos iglus, roupas e outras técnicas que permitem
sobreviver em temperaturas de 40 graus Celsius abaixo de zero, onde a vegetação
é raríssima e a fauna pouco abundante.
Obvio que o deslocamento e expansão dos humanos em
diferentes áreas do planeta e o desenvolvimento da agricultura e pecuária
fizeram surgir hábitos alimentares diferentes das primevas sociedade
caçadoras-coletoras – organização que parece ter forjado a nossa estruturação
física e social básicas, conforme apostam sociobiólogos e estudiosos similares,
numa contra-corrente ao criacionismo de fundo bíblico e à tábula-rasa aludida
pelo psicólogo Steven Pinker.
Por conta dessas considerações, acho interessante olhar com
mais atenção e simpatia os adeptos da chamada “dieta palio”, ou paliodieta. Um retorno
ao modo de alimentação mais atávica do humano, adotada por centenas ou, até,
milhares de milênios – se contarmos nossa evolução no tronco dos primatas.
Entretanto, não dá para esquecer, não existe a possibilidade de retrocedermos,
já que sairmos à caça de mamutes e ursos polares está fora de questão. Além
disso, dietas mais vegetarianas são mais ecologicamente sustentáveis, por
implicarem em menos consumo de água, menos devastação florestal (para abertura
de pastagens). E em um planeta em crise ambiental, ocupado por 7 bilhões de
“consumidores”, isso faz a diferença.
Todavia,
por mais admirável, por mais louvável, por mais politicamente correto que a
atitude como a vegana possa ser – em termos ambientais e ética com os animais
não-humanos –, mesmo assim podemos concluir que se trata de uma postura
antinatural, de auto-restrição, de disciplinamento comparável ao voto de
castidade, ou seja, coibir impulsos da espécie, negando (ou ao menos sublimando
– na forma de um hamburguer com bife de soja, por exemplo) a sua manifestação
ou satisfação; o desejo, o apetite é bloqueado ou desviado. O que pode ter
consequências nem sempre boas. Um vegano talvez precise, para garantir sua plena
saúde, consumir suplementos (vitaminas, proteínas sintéticas). Um celibatário
talvez não consiga se furtar a sonhos eróticos e poluções noturnas...
Concebo que
o animal humano é
integrado indissoluvelmente ao ecossistema e a história natural da Terra, ou
seja, somos seres da natureza e nossas saídas desta condição implica em
artifícios, caso quando se viaja ao espaço ou ao fundo mar e necessita-se
produzir uma atmosfera “portátil” e, quase sempre, precária, temporária,
trabalhosa e, sempre, perigosa.
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