10 de dez. de 2010

Teuto-brasilidade x Alemães no Brasil


Triste observar que festividades como a Oktoberfest em Santa Cruz do Sul acabem por configurar-se como uma deturpação histórica, instituindo uma “cultura” que se reporta a elementos estereotipados da Alemanha contemporânea – até mesmo no que se refere ao folclore que lá persistiu –, em menosprezo ao autêntico e rico caldo cultural surgido na interação ocorrida nas comunidades onde imigrantes (de diversas regiões) e descendentes teutos (entre outros) se assentaram e conviveram no sul do Brasil.

Observando pinturas do artista porto-alegrense e teuto-descendente Pedro Weingärtner, falecido em 1929 – viajado e formado também na Europa, incluindo Berlim, Paris e Roma – de vasta produção. Entre vários temas, há retratos da talvez mais autêntica festividade teuto-brasileira no Rio Grande do Sul, o kerb. Mas ao contrário da imagem maquiada de “alemães” vestidos a la Fritz e Frida – duas caricaturas importadas e fixadas artificialmente como “alemães típicos” –, vemos as pessoas com suas roupas domingueiras – incluindo, lenços, ponchos bombachas, bota e vestidos tipicamente gaúchos e brasileiros da época. Nada a ver com chapeuzinhos e macacões “bávaros”, que fazem da Oktober literalmente uma festa a fantasia, uma espécie de carnaval de inverno (ou melhor, de outubro).

Há mais elementos no retrato a demonstrar o entrecruzamento de hábitos trazidos das regiões que mais tarde formaram o país Alemanha e arredores, com os já arraigados na colônia da região do rio Sinos, na província de São Pedro, Império do Brasil. O próprio prédio, com todos os traços das típicas edificações luso-brasileiras, incluindo as “telhas portuguesas”, é enfeitado com as guirlandas tão associadas à germanidade.

Também temos esboçado na pintura de Weingärtner a diversidade fenotípica e separatividades sócio-”raciais”. Da janela, a mulher negra, com seu lenço na cabeça, observa – por de trás de meninos no peitoril do lado de fora – a festa onde provavelmente a sua “dona” se diverte. Ou seja, a comunidade teuto-brasileira convive e está inserida plenamente na sociedade onde a escravidão da população afro-descendente é “normal”. Aliás, não eram raros, como apontam estudos e relatos (embora em pequena medida), os casos de teuto-descendentes proprietários de escravos – ou “padrinhos” de negros e negras, situação que não formalizava a propriedade da pessoa, mas se estabelecia uma situação de exploração da mão-de-obra.

*Na ilustração (divulgação), o pintor Weingärtner.

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