Mas o verniz remete a Alemanha e a um folclore “germânico”, mesmo que quase completamente artificial, porque sem base na história e vida real das comunidades teuto-brasileiras da região. (Além do modelo de roupas, de danças e coreografias importadas do folclore da Alemanha, até as “bandas típicas” começam a ser trazidas do estrangeiro...)
Sobre os adereços da festa, insiste-se nas cores da atual bandeira alemã. Mesmo com o meu parco conhecimento histórico, sempre faço a pergunta: O que tem a ver a Alemanha contemporânea com o conjunto de emigrantes que aqui se assentaram a partir de 1849, quando sequer existia o país Alemanha? Eram reinos, principados, ducados, cidades livres e outras organizações estatais independentes – ou seja, diversos países diferentes uns dos outros, até mesmo em termos de idiomas –, que só por força do imperialismo da Prússia foram unificados (em parte) a partir de 1871, sofrendo alterações de conformação até recentemente (vide a união ocorrida entre as repúblicas Federal e Democrática em 1990). E sem considerar que para aqui também vieram gente que seria bem mais correto chamar-se – ao invés de alemães – de austríacos, poloneses, belgas, tchecos, holandeses, russos etc.
Ou seja, se fôssemos considerar as cores simbólicas dos países dos imigrantes que se assentaram nos lotes rurais estatais e particulares na região de Santa Cruz no século XIX, haveria uma colcha de retalhos enorme, com uma infinidade de estampas e arabescos (e isso fala de pluralidade étnica já na "saída" das pessoas do continente europeu, mais tarde "homogeneizadas e pasteurizadas" na designação "alemão"). Talvez as bandeiras das sociedade de canto, leitura, desporto, lazer e integração que existiram e ainda (re)e(s)xistem sejam as mais adequadas para inspirar coloridos e outros estilos estéticos para a identificação e publicidade de uma festividade teuta em nosso município (aí sim, nessas agremiações, uma manifestação autêntica de uma teuto-brasilidade, com flagrantes e singulares hibridismos culturais) .
Mas o caso é que foi criada uma “festa alemã tipo Tang” – um pó artificial com sabor e cor químicos, além de demais aditivos sintéticos –, e não um saboroso suco natural com as frutas locais – sejam nativas, exóticas ou híbridas. Fez-se, “para turista ver”, a partir de meados dos anos de 1980, uma “cópia” (um tanto fajuta, deve-se reconhcer) do que acontece em Munique.
O que temos pelas ruas – as faixas, pinturas, cartazes e outros adereços –, em arranjos por todos os lugares nas cores amarelo-laranja (“dourada”), preto e vermelho (da bandeira da Alemanha), é, pois, mais uma vez, uma explicitação de uma “alemanhanização” da festa, em lugar da construção de uma comemoração com elementos autênticos das comunidade santa-cruzenses, onde teuto-descendentes formaram (e formam cada vez mais) um mix étnico com várias outras descendência e marcas culturais. (Veja-se o caso da "situação paradigmática" onde se come uma cuca de laranja, sorvendo um chimarrão, isto é, um bolo de trigo de origem norte-europeia, com cobertura de uma fruta asiática trazida por portugueses, plantada e cultivada por escravos negros nos primórdios do Brasil colônia, acompanhado de um chá de uma planta nativa (ilex paraguariensis), bebido desde tempos imemoriais por índios sul-americanos, adaptado por espanhóis na sua forma de consumo com bomba metálica e água quente...)
Reconheço o empenho sincero e abnegado de muitíssimas pessoas envolvidas intimamente com a Oktober desde a sua criação e realização anual. Nem estou dizendo que não haja coisas boas na festa. Eu já curti muitos shows (o do nordestino Zé Ramalho foi o máximo em 2009) e me diverti pra valer (na Montanha Russa [da Rússia!], por exemplo, ou nos desfiles dos carros alegóricos (criados pelo afrodescendente Fernando Garibaldi). Mas isso não significa que se abra mão de uma franca visão crítica, até para que a comemoração se qualifique como evento e elemento simbólicos de toda a comunidade santa-cruzense, fazendo jus a teuto-brasilidade e pluralidade étnico-cultural locais.
***Nesta edição, até o momento, me chamou a atenção que "o cara da Oktober", conforme a manchete na Gazeta de 19/12, é o pagodeiro Thiaguinho, vocal do grupo Exaltasamba, jovem negro nascido em São Paulo. Também me chamou a atenção que uma dos grandes chefs de cozinha que está na Oktober é o negro senegalês Mamadou Sène, hoje radicado em Porto Alegre, de religião muçulmana, e que mostrou seus dotes em pratos da "culinária alemã". Mamadou se abastece de informação diretamente com dois irmão seus que residem na Alemanha, Freigurg, tendo estudado na França, tendo entre seus professores um chef alemão. São duas coisas aí: as atrações principais e de massa da "festa germânica" nada tem a ver com germanidade; a Alemanha cultuada não é um idílico país de gente loira de olhos azuis, mas uma nação multicultural, poliétnica, com gente de tudo quanto é lugar do mundo, como o é a Santa Cruz desde seus primórdios. A pergunta (repetindo argumentos): Que tipo de "germanidade" é esta proposta ou colocada pela Oktober, onde a atração principal da festa - uma cópia de outras iniciativas no Brasil, inspiradas na festa de Munique, mas sem raiz na realidade cultural local (nunca houve oktoberfest nas comunidades teuto-brasileiras de Santa Cruz) -; onde se faz um culto a bebida alcoólica de origem egípcia, o chope; onde o destaque artístico é um cantor negro de São Paulo; um dos chefs de destaque é um negro senegalês radicado em Porto Alegre; o talentoso criador dos carros alegóricos é um rapaz negro santa-cruzense de família tradicional da cidade, e onde as duas bandas "tradicionais" forma trazidas da Alemanha??
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