13 de dez. de 2012

Calendário maia, fim do mundo e sorvete na testa



Nem mesmo a prestigiada revista brasileira de divulgação científica, a Ciência Hoje, escapou das confusões sobre as “profecias” do 21 de dezembro. Confusões estas que ficam à beira, por um lado, da histeria e, por outro, da piada. Estamos diante do “fim do mundo”, baseado no que estaria inscrito num calendário de nativos mesoamericanos, os maias.

Em sua edição número 295, ao abordar o assunto – “2012, afinal, é o fim do mundo?” – a Ciência Hoje publicou em sua capa o que deveria ser uma pedra esculpida, se referindo ao tal calendário maia. Na edição posterior, os editores reconheceram o “furo”: se tratava de uma imagem de um objeto... asteca... Não foi culpa do autor da matéria. O próprio banco de imagens de onde foi comprada a ilustração catalogava como “calendário maia”. Falhou a revista em checar isso muito bem. Em todo o caso, a matéria é boa e vai abaixo o link para quem quiser ler o que está no site da publicação.

Se a Ciência Hoje, uma revista sob responsabilidade da  SBPC, uma tradicional organização de cientistas renomados, atuando pelo desenvolvimento da ciência ; se este pessoal não fez a revisão devida e deixou passar tamanho engano, fico pensando quanta  bobajada está sendo dita, mostrada e repetida por aí. Aos enganos por lapsos e desconhecimento, some-se o que estão produzindo os “espertos”, sempre a fim de explorar esta nossa atávica nostalgia judaico-cristã do apocalipse. Vendem-se manuais, amuletos, “programas de salvação” etc. E mesmo sabendo que se trata de mais um sorvete na testa, daqueles de duas bolas grandes (chocolate e morango), socamos a guloseima com um sorriso cândido, prenhes de esperanças infantis...

O fato é que no dia 21 de dezembro (daqui dez dias!) vai ser aquela mesmice mundial: acidentes, assassinatos, tempestades – um desfile de tragédias maiores e menores trazidas pela imprensa. Alguns vão dizer que “Está aí, começou, mesmo, o fim do mundo!” – e não vai adiantar nada ponderar coisa alguma. Quem quer acreditar, vai acreditar, e quando chegar o frustrante vigésimo primeiro dia do último mês do ano... vai embarcar em alguma desculpa (adiou-se o fim do mundo por conta de uma intervenção de Asthar Sharan, por exemplo). E logo-logo se terá mais uma previsão de armagedom e um bom tempo para se comprazer com a mais nova (e mórbida) esperança de que – “desta vez pra valer” –  tudo vai acabar, enfim...

Afora os “apocalípticos clássicos”, há os que são adeptos – ou acabaram aderindo, tal a evidência da bazófia – para ideias não das explosões cinematográficas, da morte em massa, de gritos e uivos, mas de “uma nova era”, um novo ciclo... Bem, um novo ciclo começa todos os dias com a rotação da Terra e toda a coreografia (ia dizendo dança) dos planetas, estrelas, satélites naturais etc. que compõem a nossa galáxia e o universo que conhecemos. Todos os dias o mundo “termina” e “recomeça”, Sol e Lua, claro e escuro, vigília e sono, pintassilgos e morcegos... Não seria uma boa aproveitar isso e renovar a nós mesmo a cada transposição do dia e da noite; quem sabe buscar ir mais adiante em nossos esforços por conhecimentos embasados, ajudando a construir uma civilização mais harmônica, sem apelos patéticos ao irracionalismo e a emocionabilidade?

Acho que muito dessas expectativas “bíblicas” são geradas por insatisfação e angústia. Muitas pessoas não gostam de suas vidas e se sentem pressionadas por um mundo muitas vezes duro, cheio de injustiças e desgraceiras várias (crianças sendo prostituídas, florestas nativas desmatadas, autoflagelação em nome de Jesus...), onde estamos cheios de “responsabilidades” – contas a pagar, um chefe chato, enxaqueca, segundas-feiras etc. Um belo fim do mundo seria uma oportunidade de “zerar” as coisas e reiniciar tudo de novo!


***Quem puder, leia a matéria da Ciência Hoje que me referi: uma das coisas interessantes é a desmistificação da “harmonia” dos povos antigos da mesoamérica. Os maias, por exemplo, que não estão “extintos”, entraram em decadência por contas de guerras de poder e destruição ambiental. Estão longe desta ideia de uma civilização de sábios, zens, “evoluídos”. Óbvio que a grandiosidade de cidades, seus monumentos, técnicas de escultura, arquitetura, avanços na agricultura, na escrita, na astronomia, entre outros, são admiráveis. Mas também havia uma profusão de sacrifícios humanos, tortura e antropofagia rituais, ou seja, muito sangue, carne e vísceras humanas para aplacar deuses e saciar fomes.

http://cienciahoje.uol.com.br/revista-ch/2012/295/2012-afinal-e-o-fim-do-mundo

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