29 de jan. de 2010

O fumante gourmet


Dizem que a apreciação possibilitada pelos órgãos dos sentidos é um aprendizado, uma sabedoria desenvolvida ao longo da vida. A existência se qualificaria através de uma apropriação cada vez mais refinada das sensações intermediadas por nossos olhos, nariz, ouvidos, boca e pele, geradores de emoções.

O que seríamos sem as sensações, as emoções (em que pese deficiências físicas)? Parece que o ser humano se define pela sensibilidade, pela emotividade. E não só em situações “grandiosas”, mas em “pequenos momentos”.

Tal introdução é para falarmos de coisas como comer, beber, cheirar, tocar, ver e, com isso, emocionar-se e gerar reflexões sobre o miraculoso da trajetória humana – de resto tão limitada e breve.

É bastante tranqüilo e considerado superbacana e saudável palestrarmos sobre “o gourmet”, ou seja, a pessoa que curte pratos, cafés e vinhos, por exemplo. Mas o gourmet de cigarros, cigarrilhas, charutos e “assemelhados” definitivamente está entrando numa categoria muito próxima ao do drogadicto contraventor.

Porém, não déia de ser compreensível. Após anos de propagandas massivas incentivando o consumo indiscriminado do tabaco, como se tratasse de um produto inócuo, as pesquisas médicas não deixam dúvidas sobre os males que o uso contínuo acarreta. E, sendo assim, estão certas as restrições ao consumo.

Mas, creio eu, só até determinado ponto os impedimentos são aceitáveis e válidos. Se a pessoa é maior de idade e não estiver prejudicando terceiros, fumar é algo que está na conta da sua liberdade, um direito individual básico contemplado nas legislações dos países civilizados e na própria Declaração Universal dos Direitos Humanos – que diz, no artigo 12º: “Ninguém sofrerá intromissões arbitrárias na sua vida privada”, tendo “direito a proteção da lei.”

Evidente: se o fumante está trazendo incômodos com a exalação da fumaça, deverá se abster no momento, porque está ferindo a liberdade alheia. Mas em locais permitidos ou/e que não estejam influindo na saúde alheia, nada poderá impedi-lo, a não ser sua própria consciência.

O problema, me parece, está numa “satanização” do fumar e, consequentemente, do fumante. Concordo que o uso compulsivo do tabaco é tão perverso e detestável quanto o da bebida alcoólica e outras drogas lícitas e ilícitas. Mas comedidamente, responsavelmente, fumar é um prazer tão “digno” quanto beber um expresso, um cálice de algum cabernet, o degustar de um macarrão al pesto etc.

São momentos de fruição, de contentamento, onde os sentidos se alertam, as emoções afloram e a reflexão “corre solta”, embevecida e impulsionada por sabores, aromas, plasticidades e outros deleites estéticos e efeitos no bem-estar da pessoa.

Talvez sejam essas coisas que estejam nas origens milenares, ritualísticas, religiosas, xamanísticas de produtos elaborados a partir de vegetais como o tabaco. E considerando essas coisas, penso que banir-se o consumo do fumo é, na prática, impossível, tal o seu enraizamento histórico. Também é perder-se um meio adulto de autogratificação e expansão de percepções.

Concordando com as limitações legais, para a proteção aos não-fumantes e não-influência a crianças e jovens (a mesma coisa deveria ocorrer com qualquer bebida alcoólica), vejo, entretanto, que há formas de convivência pessoal e coletiva com quem aprecia degustar seu “pito”.

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